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O Estado de S.Paulo

vinheta-clipping-forte1O anúncio surpreendente do presidente Barack Obama de que sustará uma ação na Síria até que o Congresso se pronuncie esta semana oferece uma chance para considerar, ou reconsiderar, questões fundamentais com respeito a um ataque militar americano na Síria. O Congresso precisa reconhecer que a decisão do presidente de consultá-lo traz custos e um ataque militar limitado provavelmente conseguirá pouco e poderá até piorar uma situação ruim.

A primeira pergunta do Congresso deveria ser sobre a afirmação do presidente de que “nossa capacidade de executar essa missão não é condicionada pelo tempo; ela será eficaz amanhã, ou na próxima semana, ou daqui a um mês”. Sim, é claro, a guerra civil síria ainda estará grassando daqui a semanas, e os militares americanos continuarão preparados para atacar. Mas durante essas semanas a carnificina persistirá e os jihadistas continuarão se fortalecendo dentro da oposição. O momento diplomático criado pelo uso maciço de armas químicas por Bashar Assad no dia 21 se dissipará à medida que outros problemas ganharem destaque na agenda internacional.

Os congressistas devem estar contentes de poder se expressar, mas eles também deveriam perguntar se o adiamento do ataque e a decisão de último minuto de submeter o uso da força ao Congresso afeta a credibilidade americana em outras questões. Será que Israel acreditará que os EUA manterão sua palavra se o presidente precisa esperar que o Congresso aprove uma ação militar? Será que qualquer ameaça coercitiva a respeito do uso da força contra o programa nuclear iraniano agora virá com a advertência de que os EUA só atacariam após uma votação do Congresso?

Os mulás do Irã certamente apreciarão esse incentivo à democracia. No fim, a legitimidade democrática maior que vem do apoio do Congresso poderá fazer isso tudo valer a pena, mas a decisão terá o seu custo.

Além de perguntas referentes ao papel do Congresso, a escala do uso da força deve ser uma preocupação importante. Politicamente, uma campanha limitada de bombardeio que seja de curta duração e atinja alguns alvos é fácil: após alguns dias de alvoroço da mídia, o povo americano, e o mundo, logo tornarão a ignorar um conflito que prefeririam esquecer.

Militarmente, porém, uma campanha breve causará pouco efeito no controle do poder pelo regime sírio ou em sua capacidade de usar armas químicas no futuro. O regime trava uma guerra civil de vida ou morte há mais de dois anos: 50 Tomahawks, mais ou menos, disparados de navios de guerra no Mediterrâneo, embora possam alcançar alvos que os rebeldes não conseguiriam atingir, não alterarão fundamentalmente o equilíbrio militar.

Atingir áreas de armazenamento de armas químicas traz riscos, pois algumas substâncias venenosas poderão ser liberadas no processo. Portanto, os EUA poderiam deixar em paz muitos estoques e mirar baluartes do regime como quartéis de forças de elite e locais de comando e controle, bem como centros de defesa aérea. A destruição desses alvos seria um golpe real para Assad, embora o governo americano possa justificá-los como o ataque à infraestrutura geral responsável pelo uso de armas químicas.

Assad provavelmente verá isso como parte de uma estratégia mais ampla de mudança de regime. Assim, embora o governo esteja tentando agir em função de armas químicas, o regime sírio interpretará a ação como um ataque muito mais amplo.

Como Assad claramente vê isso como uma luta de vida ou morte, o Congresso deveria perguntar ao governo o que ele pretende fazer se o regime sírio continuar desafiando. Obama tentou assegurar a um público americano cansado de guerra que os ataques serão pontuais. Mas se o propósito é a dissuasão e a aplicação de uma norma contra o uso de armas químicas, o desafio deixa os EUA em pior situação do que antes.

Minha impressão é que Assad provavelmente evitará usar armas químicas de novo porque ele teme uma escaldada – mas como a maioria dos analistas, eu também acho que ele evitará um uso óbvio e maciço. Assad também poderá ser cauteloso em termos de fomentar o terrorismo fora da Síria contra os EUA e seus aliados, mas de novo seu uso de armas químicas e temor pela sobrevivência de seu regime sugere que ele poderá assumir riscos tolos. Em poucas palavras, devemos admitir que não entendemos perfeitamente como Assad toma decisões. Por isso, o Congresso precisa perguntar ao governo o que ele tem em mente se o pior se materializar.

Os amigos de Assad, particularmente o Irã, mas também a Rússia, também deveriam fazer parte da discussão. Ambos podem aumentar o apoio ao regime sírio em face de um ataque americano. Assim, apesar de as forças de Assad poderem sofrer uma surra, ele poderá ganhar novas armas, novos caças e mais respaldo financeiro. Autoridades iranianas chegaram a falar vagamente que alguém, em algum lugar, poderia retaliar em resposta a um ataque americano.

A questão da credibilidade também deveria ter destaque no debate. O presidente Obama e o secretário de Estado John Kerry elevaram as expectativas de que os EUA atacariam a Síria. Haverá um preço em recuar? É fácil agourar e afirmar que todo inimigo americano será encorajado. Mas hipérboles à parte, endurecer a retórica e recuar diante de nada sugere aos inimigo dos americanos que Washington terá pouco estômago para lutas futuras.

Por último, embora eu duvide que ataques americanos alterarão o equilíbrio militar, o Congresso deveria explorar também se o país está preparado para o “sucesso”. Os jihadistas estão nadando de braçada na Síria e a oposição moderada, apoiada pelos EUA, está fraca. Os programas americanos para fortalecer militarmente os jihadistas, que receberam um apoio apenas morno do governo e empacaram no Congresso até julho, mal saíram do chão. Se Assad cair, a Síria provavelmente colapsaria no caos e os radicais controlariam boa parte do país.

O debate nas próximas semanas deve ser amplo. Congressistas e o governo deveriam discutir as implicações estratégicas e militares de um papel congressional e pensar nos efeitos de longo prazo de qualquer ação militar americana. No fim, um debate saudável poderá descobrir que um meio termo – um ataque que atinja somente alguns alvos e tenha duração limitada – pode ser a pior das opções. Para fazer a diferença no longo prazo, os EUA precisam fazer mais, particularmente para a oposição. E se não valer a pena fazer mais, então ficar completamente fora pode ser a melhor opção.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

FONTE: O Estado de S. Paulo

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