Defesa do país é tratada como algo irrelevante e gerida na base do faz de conta

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Op tres barras 2010 2 - foto EB

por Luiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva

ClippingOs problemas relativos à defesa nacional deveriam ser conhecidos pela nação, cliente das políticas e estratégias elaboradas pelos órgãos diretamente responsáveis pelo setor e credora da lealdade das Forças Armadas (FA). Por isso, as informações sobre a situação da defesa do país não podem se restringir às transmitidas pelas fontes oficiais e autoridades governamentais, que jamais questionam as próprias estratégias e omitem deficiências e vulnerabilidades.

O discurso oficial definiu a capacidade de dissuasão extrarregional como propósito da defesa nacional. Então, para não ser um discurso ilusório, o Brasil deveria alcançar um poder militar não necessariamente igual, mas capaz de causar danos significativos a eventuais oponentes que tenham condições de nos agredir ou ameaçar interesses vitais brasileiros.

Poucos países têm poder para entrar em conflito armado prolongado com um Brasil tão distante. A conclusão é simples! As FA nacionais devem ser capazes de dissuadir potências do nível da França ou Grã-Bretanha.

A França é nossa vizinha na Amazônia, a Grã-Bretanha tem forte influência na Guiana (país membro da Comunidade Britânica), e ambas têm manifestos interesses na calha norte do rio Amazonas. Dessa forma, convém comparar as FA francesas, britânicas e brasileiras.

 

Tabela forças Brasil França e Inglaterra - Rocha Paiva para UOL
Divulgação/Luiz Eduardo Rocha Paiva- Fonte: Exército, Marinha e Aeronáutica dos países

 

Quanto aos meios citados nas tabelas, há um imenso hiato desfavorável às nossas FA em modernidade, autonomia tecnológica e industrial, adestramento e disponibilidade de equipamentos. A maior vulnerabilidade do Brasil é não ter sistemas de mísseis antinavio e antiaéreos, havendo outras vulnerabilidades e deficiências graves, das quais seguem apenas algumas:

1. O Ministério da Defesa não implantou um projeto de força conjunto para alinhar o reequipamento e articulação das FA quando elaborou a END (Estratégia Nacional de Defesa), em 2008. Dispersão de esforços!

2. A END não identificou as visíveis ameaças potenciais, como determina o conceito de defesa na Política Nacional de Defesa. Assim, não há como definir padrões a alcançar no desenvolvimento de capacidades que concretizem a dissuasão extrarregional pelas FA.

3. A Política e a Estratégia Militar de Defesa, que deveriam seguir-se à END, estão há seis anos em elaboração, levando ao retardo dos planos operacionais. Defesa não é relevante?

4. Todos os projetos estratégicos de defesa não recebem recursos suficientes para cumprir o cronograma ou eles são contingenciados. Se algum dia forem concluídos já serão antiguidades. Descaso com a defesa!

5. É irrisória a aplicação de recursos em ciência e tecnologia e no desenvolvimento de uma indústria militar com elevada autonomia, e não há perspectiva de ruptura da tendência a negligenciar a defesa do país. O hiato de poder militar vai se agravar!

6. O projeto mais efetivo em dissuasão seria um sistema conjunto de defesa com mísseis antinavio e antiaéreos, coordenado com a segurança cibernética e a inteligência estratégica. Seria capaz de neutralizar ou desgastar uma esquadra agressora antes do desembarque de tropas, causando pesadas baixas ao afundar navios de transporte. Mas este projeto não existe!

Disparo do míssil Igla 3 - foto EB

7. Nenhuma brigada do Exército Brasileiro dispõe de sistemas operacionais completos, portanto, nenhuma tem condições de entrar em combate convencional em defesa da pátria. Quanto à Marinha e à Aeronáutica, as tabelas, por si só, já são por demais eloquentes. Atenção para caças e submarinos nucleares, pois o brasileiro é para 2022.

8. Para nossos governos, as FA são como agências multitarefas para suprir carências ou incompetências dos órgãos de defesa civil, obras públicas, assistência social, segurança pública e em grandes eventos. Nos últimos anos, foram feitas oito megaoperações de controle de tráfico de drogas e contrabando na faixa de fronteiras, e nenhum exercício de vulto de defesa da pátria. O Brasil acabou se dobrando às diretrizes dos EUA para as FA sul-americanas, formuladas após a Guerra Fria.

Há quem pense não haver ameaças ao país, pois poucos estudam a história e o jogo do poder entre as potências globais. Estas, em suas documentadas apreciações estratégicas, alertam que os conflitos futuros visarão garantir acesso privilegiado a recursos e controlar ou ter presença militar em áreas de valor estratégico.

Luiz Eduardo Rocha Paiva - foto Ag Estado via Uol
Luiz Eduardo Rocha Paiva – foto Ag Estado via Uol

São duas causas de conflitos em que o Brasil se enquadra como possível alvo. Portanto, existem ameaças potenciais para as quais seria necessário se preparar desde ontem, pois defesa não se improvisa. Pela dissuasão, se evita a escalada de conflitos e, pela ação ou reação de FA poderosas, se derrota o agressor.

A defesa tem sido debatida nos meios acadêmicos e – algumas vezes – na mídia, mas não é o bastante para a sociedade tomar consciência da relevância do poder militar como fator de segurança e paz.

No Congresso, as comissões de Relações Exteriores e Defesa têm a responsabilidade de alertar a nação sobre os riscos da indigência militar do país. Devem ouvir a opinião de civis e militares da reserva estudiosos do assunto, em audiências públicas, a fim de identificar vulnerabilidades.

Se estas forem relevantes, devem ouvir altos chefes militares da ativa,em audiências reservadas, cujo compromisso será emitir sua própria opinião. É desperdício não conhecer o pensamento de profissionais em quem a nação investiu mais de trinta anos em preparação contínua.

Temas de vital relevância para a defesa da pátria não podem ficar subordinados a interpretações retrógradas sobre hierarquia e disciplina intelectual. Quem os estará questionando é a própria nação, que tem direito à verdade.

Após avaliar as distintas visões, as comissões decidiriam se o Ministério da Defesa deveria ou não ser acionado para justificar as políticas e estratégias adotadas, em audiência reservada, se necessário o sigilo. Com o cenário da defesa descortinado, a sociedade seria informada sobre sua real situação.

A defesa da pátria, missão principal e identidade das FA, é tratada como algo irrelevante e gerida na base do faz de conta por nossos governos desde o início dos anos 1990.

FONTE: UOL

IMAGENS via UOL e Exército Brasileiro

COLABOROU: Sandro

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Colombelli
Colombelli
9 anos atrás

“Faz de conta”. Não sei porque esta expressão me faz lembrar imediatamente de um certo governo de um certo partido que vive no pais de alice.

Soldat
Soldat
9 anos atrás

Eu sou a favor de entregar de vez a gerencia de nossa defesa aos Âmis.

Prefiro uma força armada Azulzinho(usa) do que vermelhinho(comunistas)…

USA…USA…USA…….

Acima de tudo e de todos…..menos de Israel é claro..Hehe…

Rafael Bastos
Rafael Bastos
9 anos atrás

Poderíamos ter 400 F-35, duzias de submarinos, destroyers e fragatas novas em folha, Milhares de Leopard 2A7+, um sofisticado sistema antiaéreo e a mais preparada e bem equipada tropa terrestre do planeta, e mesmo assim tanto França e Inglaterra poderiam a qualquer momento nos colocar de joelho sem precisarem mandar um único soldado para esta terra. Pois a malfadada CF de 88 e o TNP já nos colocaram em uma situação de “irrelevância” a muito tempo. ” A suprema arte da guerra consiste em subjugar o inimigo sem precisar lutar” – Sun Tzu

Marine
9 anos atrás

E Olhe que a Europa esta se desarmando faz anos…

Gra-Bretanha e Franca hoje tem exercitos que mal podem manter deployments no extrangeiro, possuem um misero numero de batalhoes de tanques. A Europa sequer tam infantaria para reagir a qualquer conflito serio.

Se eles que estao mal das pernas assim ainda estao muito melhor do que nos, entaqo amigos e porque temos muito, mas muito chao pela frente ainda.

SF!

Colombelli
Colombelli
9 anos atrás

Pra nossa sorte, os efetitos deles que podem atuar na amazônia são uma fração infima do que eles tem de forma que o quadro supra não reflete muito a realidade de forças. Fora isso, nos colocam de joelhos a hora que quiserem.

E ai pergunto, cadê os 28 pelotões de fronteia que o jobin, ministro do quadrilheiro, prometeu?

Iväny Junior
9 anos atrás

Concordo em todos os pontos da afirmação do General. Já pensei no ponto em que o Soldat falou. Ser colônia da Inglaterra ou da Alemanha, principalmente do segundo. O pessoal das Falklands jamais cogitou sair debaixo da asa da rainha e a Alemanha é exemplo de gestão em todos os sentidos. Colônia de Israel e EUA, também não seria mal. Só não pode mais existir esse tipo de imundície nas ruas, em todas as instâncias de todos os governos, de todos os poderes deste território nômade que alguns chamam de país. O conflito de Gaza matou 678 pessoas. Isso equivale… Read more »

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
9 anos atrás

Ser colonia de exploracao, de novo, voces so podem estar loucos. Depois de 500 anos sendo estuprados… vcs nao entenderam nada do que o artigo veio a alertar?

Vader
9 anos atrás

O Brasil se dobrou às diretrizes dos EUA?

Ora Sr. General, não seja RIDÍCULO!!!

Se o Brasil tivesse “se dobrado às diretrizes americanas” teríamos forças armadas como as chilenas, por exemplo, reconhecidamente as mais capacitadas da América Latina, ou no mínimo como as da Colômbia, que depois de 40 anos estão vencendo a guerra contra a inssurgência vermelha.

Não meu General, se estamos do jeito que estamos é JUSTAMENTE porque não nos dobramos aos EUA nem a ninguém mais, diga-se.

A culpa da nossa incompetência é nossa e só nossa mesmo.

Gilberto Rezende
Gilberto Rezende
9 anos atrás

Só pela afirmativa final já se sabe do que estamos falando: “A defesa da pátria, missão principal e identidade das FA, é tratada como algo irrelevante e gerida na base do faz de conta por nossos governos desde o início dos anos 1990.” Como assim meu General, vivíamos as mil maravilhas antes da década de 90 quando os militares tinham o PODER ??? A resposta é um sonoro NÃO. Eu estava lá, dei baixa da MB como capitão-tenente em 1993 e posso assegurar pessoalmente que minha baixa tinha raízes bem ANTES de 1990… Trata-se na realidade de um saudosista da… Read more »

Pangloss
Pangloss
9 anos atrás

Ainda que eu concorde com alguma das muitas generalidades constantes do texto, o autor é tão simplista que é inevitável não concordar com sua conclusão final: só mesmo em um país que trata sua defesa como algo irrelevante, na base do faz de conta, atribui o generalato a alguém capaz de escrever tão pobremente.
Mesmo considerando que o texto não é, a princípio, dirigido a especialistas no tema, eu esperava bem mais de um general.

Pangloss
Pangloss
9 anos atrás

Errata: “só mesmo um país que trata sua defesa…”

Iväny Junior
9 anos atrás

Ei Blind Man Veja como os países de primeiro mundo (tirando a frança) tratam os cidadãos dos territórios além fronteiras. Estuprados nós somos hoje. Sem educação, justiça, defesa, segurança, transporte, saúde ou qualquer outro serviço público que preste. Morremos de trabalhar pra encher o rabo de politicos que não fazem absolutamente nada para melhorar o quadro, nem têm o mínimo preparo para exercer as funções nas quais são postas pelo povo. E que povo. Pilantra, imoral, vulgar, corrupto, trapaceiro, nojento… Claro que existem exeções. Mas a escória já venceu. Basta ligar o rádio agora, e escutar um funk, um pagode,… Read more »

Rafael Oliveira
Rafael Oliveira
9 anos atrás

Vader e Pangloss, assino embaixo do que escreveram.

Boa parte da culpa das nossas Forças Armadas possuírem equipamentos desatualizados e em número inferior ao necessário é do próprio Comando que gasta com inutilidades supostamente para garantir “status”. De coquetéis a NAe.

E o nosso maior problema não é falta de dinheiro.

O Chile tem FAs bem melhor equipadas gastando praticamente o mesmo que o Brasil gasta APENAS com as filhas solteiras pensionistas de militares.

Nosso problema é a mediocridade de quem comanda o país desde 1500 até hoje.

DaGuerra
DaGuerra
6 anos atrás

Faz de conta que esse texto é sério…