Pakistan Nuclear - 2

Continuando a série de textos sobre as Forças Armadas indianas e paquistanesas, Forças de Defesa apresenta o poder nuclear do Paquistão

Por Sérgio Santana*

Origem e evolução do programa nuclear paquistanês

O programa de energia nuclear do Paquistão foi estabelecido e iniciado em 1956 após a criação da PAEC, a Comissão de Energia Nuclear do Paquistão, que visava ao desenvolvimento da energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos.

Mas tal postura começou a ser alterada nove anos depois, com a derrota do Paquistão para a Índia na guerra de 1965, que ocorreu entre agosto e setembro daquele ano, mudança que se acentuou alguns meses depois, quando autoridades paquistanesas foram informadas sobre o progresso do programa nuclear indiano, o que resultou em avanços lentos no processamento de urânio obtidos com auxílio britânico apenas entre 1969 e 1970.

Contudo, foi necessário outro conflito, a Guerra de Libertação do Bangladesh (entre março e dezembro de 1971, na qual o Paquistão perdeu parte considerável do seu território para o adversário), para que o programa nuclear paquistanês voltado ao desenvolvimento de armas nucleares recebesse um impulso definitivo rumo à produção de um dispositivo atômico.

Durante o ano seguinte foram concentrados todos os esforços para que as Forças Armadas do país possuíssem uma ogiva atômica até 1974, ano em que, coincidentemente, a Índia conduziu o famoso teste nuclear conhecido como “Buda Sorridente” em 18 de maio, quando detonou um dispositivo com potência variando entre 8 e 10 Megatons em instalações subterrâneas no Polígono de Testes de Pokhran.

Ainda assim, o primeiro da sequência de 24 testes nucleares paquistaneses, denominados “Kirana I” (em homenagem às Montanhas Kirana) somente ocorreu quase nove anos depois (e com considerável ajuda da China), em 11 de março de 1983, embora os primeiros artefatos nucleares de fato – totalizando 40 Kilotons –  tenham sido detonados nas Montanhas Ras Koh apenas em 28 de maio de 1998, sob o código “Chagai-I”, seguidos, dois dias depois, pelos testes “Chagai-II” no Deserto de Karan, que somaram 25 Kilotons de potência. Como um indicativo inegável da corrida nuclear entre os dois países, a Índia já havia detonado entre os dias 11 e 13 daquele mesmo mês cinco ogivas atômicas liberando 40 Kilotons, como parte do teste “Pokhran II”.

A rede paquistanesa de desenvolvimento e produção de armas nucleares inclui as seguintes instalações: as usinas de enriquecimento de urânio em Kahuta e Gadwal; reatores de produção de plutônio de água pesada no denominado “Complexo Khushab”; plantas de extração e reprocessamento de urânio em Nilore e Chashma; fábricas e manutenção de mísseis nucleares e seus lançadores móveis em Kala Chitta Dahr, Tarnawa, Taxila; e, por fim, produção de ogivas em Wah.

Shaheen 1A

Estrutura operacional do poder nuclear paquistanês

No contexto das Forças Armadas paquistanesas, as armas nucleares são controladas pela “Autoridade Nacional de Comando” dirigida pelo Primeiro-Ministro, auxiliado por oficiais de alta patente. Este órgão é subdividido em dois comitês: o Comitê de Controle de Desenvolvimento, responsável pelo projeto de armas nucleares e o Comitê de Controle do Emprego, que determina como tais armas serão usadas numa crise. Contudo, seu principal organismo é a Divisão de Planos Estratégicos, que determina as diretrizes para o planejamento operacional, desenvolvimento de armas, armazenamento, orçamentos, controle de armas, diplomacia e políticas relacionadas a aplicações atômicas civis para energia, agricultura e medicina, sendo também responsável pela política nuclear, estratégia e doutrinas. Formula a estratégia de desenvolvimento de força para as forças estratégicas de três serviços, o planejamento operacional no nível dos serviços conjuntos e controla os movimentos e implantações de todas as forças nucleares. A Autoridade Nacional de Comando foi convocada na crise de 2019, o que certamente já se repetiu no conflito atual.

Os sistemas de armas nucleares do Paquistão

Os sistemas de armas nucleares à disposição do Paquistão podem ser empregados por aeronaves, navios e plataformas terrestres.

Dentre os primeiros constam bombas de queda livre com potência variável entre 5 e 12 Kilotons e mísseis subsônicos de cruzeiro Ra’ad I (com alcance máximo de 550km e ogiva convencional de 900kg ou nuclear também entre 5 e 12 Kilotons) e Ra’ad II (com alcance até 600km e mesmas ogivas), projetados para atingir alvos terrestres e navais de alto valor.

As duas armas, totalizando estimadamente 36 unidades, são confirmadas como parte do arsenal dos caças Dassault Mirage III/V e PAC JF-17 Thunder/CAC FC-1 Xiaolong da Força Aérea do país, embora existam sérias suspeitas de que os Lockheed Martin F-16A/B/C/D Fighting Falcon tenham sido secretamente adaptados para o seu emprego, em que pese o comprometimento contratual do governo paquistanês em não o fazer.

Com relação aos sistemas de armas nucleares lançados de navios e submarinos, o único à disposição da Marinha do Paquistão é o Babur-3, variante naval do míssil de cruzeiro lançado de solo Babur-2.

A arma ainda está em desenvolvimento e foi lançada duas vezes para testes: em 9 de janeiro de 2017, a partir de “uma plataforma móvel subaquática” no Oceano Indico e em 29 de março de 2018 a partir de “uma plataforma dinâmica subaquática”. O Babur-3 é uma variante marítima do míssil de cruzeiro lançado do solo Babur-2, tendo alcance de 450 km e ogiva nuclear com potência entre 5 e 12 Kilotons.

Por fim, dentre os mísseis balísticos nucleares paquistaneses lançados do solo, há seis modelos, sendo que os três primeiros são armados com a mesma ogiva do Babur-3, enquanto dois dos três restantes estão armados com ogiva de potência variável entre 10 e 40 Kilotons e o outro modelo, Nasr, possui ogiva variando entre 5 e 12 Kilotons:  o Abdali (Hatf-2) com 200km de alcance, com dez exemplares em serviço; o Ghaznavi (Hatf-3), com 300km de alcance e 16 exemplares disponíveis; o Shaheen-I/A (Hatf-4), podendo atingir alvos distantes 750-900km, também com 16 mísseis operacionais; o Ghauri (Hatf-5), 24 exemplares estando disponíveis; o Shaheen-II (Hatf-6), com alcance de 2.750km, também com 24 unidades operacionais; e, finalmente, o Nasr (Hatf-9), com alcance entre 60 e 70km, 24 dos quais estão ativos. Doze mísseis de cruzeiro Babur-1A, com alcance de 350km e a já mencionada ogiva entre 5 e 12 Kilotons estão disponíveis, assim como um número desconhecido de mísseis Babur-2, com alcance duplicado e mesma ogiva.

Os mísseis nucleares a serviço do Exército paquistanês são lançados não de silos cavados no solo, mas de veículos similares aos modelos russos, chineses e norte-coreanos projetados para a mesma função.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas


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Bosco
29 dias atrás

Pelo baixo rendimento das armas paquistanesas parecem ser de 1a G.

comenteiro
comenteiro
Responder para  Bosco
29 dias atrás

O senhor saberia algo sobre o arsenal Indiano? Eu li por algo sobre os mísseis, que seguem a doutrina americana, mas não sobre as bombas em si.

Bosco
Responder para  comenteiro
29 dias atrás

Olá, Comenteiro.
Não. Tô meio por fora ainda.
O Forte deve fazer um artigo sobre.

comenteiro
comenteiro
Responder para  Bosco
29 dias atrás

Obrigado. Seria bom pra dar uma idéia desse vespeiro. Pelo o que eu li, as armas deles seriam mais avançadas e eles podem usar silos, veículos terrestes, aviões e submarinos para disparar os mísseis.

carcara_br
carcara_br
Responder para  comenteiro
29 dias atrás

Em termos de volume de explosão uma bomba de 10 kt é “apenas” 17 vezes menor que a maior bomba já detonada pela humanidade de 50 Megatons. Então faz muito pouca diferença, talvez a primeira deixe a poluição mais concentrada….

Última edição 29 dias atrás por carcara_br
Sérgio Santana
Sérgio Santana
Responder para  Bosco
29 dias atrás

Bosco e Comentário, um texto sobre o assunto escrito por mim sairá nos próximos dias…

Comenteiro
Comenteiro
Responder para  Sérgio Santana
29 dias atrás

Muito obrigado. Apesar das tensões naquela região, não me pareceu que no momento nenhum dos lados quis “avançar o sinal vermelho”.

Digo
Digo
Responder para  comenteiro
29 dias atrás

Ambos os paises possuem cerca de 170~ armas nucleares, a India possui triáde nuclear, o poder de destruição variam de 10Kt até 50Kt(em comparação a Russia e os EUA possuem ogivas entre 500Kt até 1Mt.). Por isso todas esses premonições que um conflito limitado entre paquistão e a India gerariam um inverno nuclear é baboseira, se juntar todas a bombas nucleares de algum desses paises, teria um poder menor do que 1 MIRV da Russia e dos EUA que podem acoplar até 10 ogivas.

Desde 1945 houve milhares de teste nucleares, em alguns casos com varias dezenas de megaton, e nunca houve nenhuma diferença significativa na temperatura como resultado destes experimentos.

Última edição 29 dias atrás por Digo
Cristiano ciclope
Cristiano ciclope
Responder para  Digo
27 dias atrás

A questão e que por exemplo, a China não gostaria do vento indo na sua direção com radiação, Rússia, Iran e dependendo até Israel, lembre de chenorbil, a nuvem deu a volta no planeta!

Tiago
Tiago
Responder para  Digo
26 dias atrás
Digo, acho que a questão é quantidade e o curto intervalo de tempo    entre as explosoes, ai sim nesse caso cause alguma variação.Nem que seja temporaria.
Vinicius Momesso
Vinicius Momesso
Responder para  Bosco
29 dias atrás

Estranho o Paquistão não ter firmado algum tipo de parceria para modernização de seu arsenal nuclear, incluindo meios de lançamento.

Alex Barreto Cypriano
Alex Barreto Cypriano
Responder para  Bosco
22 dias atrás

É possível que existam ogivas de fissão com tritium booster, já que é sabido que o Paquistão produz algum tritio (isótopo do hidrogênio com um próton e dois nêutrons em seu núcleo). Conforme se lê no parágrafo Fissile Materials Production and Inventory, aqui:
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00963402.2023.2245260#abstract

Última edição 22 dias atrás por Alex Barreto Cypriano
JuggerBR
JuggerBR
29 dias atrás

Que jamais sejam usados em nenhum conflito, e os dos demais países também.

João Fernando
João Fernando
29 dias atrás

Uma duvida que tenho…esse caminhão com duas cabines…ele dispara que? Após o disparo, acontece o que, seria recarregado ou ele é descartado? Como é a tática de emprego com eles?

tutor
tutor
Responder para  João Fernando
28 dias atrás

Após o disparo ele será incinerado, pelos indianos.

Última edição 28 dias atrás por tutor
Cristiano ciclope
Cristiano ciclope
Responder para  João Fernando
27 dias atrás

Silos de lançamento podem ser destruídos se você não tiver defesas anti-aéreas pesadas, já lançadores móveis, o inimigo dificilmente saber onde estão todos os lançadores, dificultando a sua destruição antes do lançamento!

Carlosanto
Carlosanto
27 dias atrás

Correção, a india nunca detonou um explosivo entre 8 e 10 megatons.

Alex Barreto Cypriano
Alex Barreto Cypriano
Responder para  Carlosanto
23 dias atrás

O que significaria que ela tivesse dominado a tecnologia de artefatos termonucleares, embora existam armas termonucleares de baixo rendimento…

Observador
Observador
26 dias atrás

Esses caminhões sempre impressionam e aterrorizam o mundo com suas cargas às “costas”.

Alex Barreto Cypriano
Alex Barreto Cypriano
Responder para  Observador
23 dias atrás

Aterroriza porque está visível sobre a terra. Parece que ninguém se aterroriza com os mísseis balísticos nucleares escondidos em campos de silos ou em gigantescos SSBNs em patrulha…