O novo tabuleiro geopolítico: quem controla a narrativa, controla o poder

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Geopolítica e Narrativa

Por Francisco Fernandes Ladeira*

As relações internacionais não são mais um jogo disputado apenas por Estados com seus exércitos e mapas. A antiga geopolítica, centrada no poder militar e numa visão determinista do território, tornou-se anacrônica. O poder hoje é disputado em múltiplas arenas: econômicas, culturais e, sobretudo, na esfera da informação.

Neste novo cenário, atores como corporações transnacionais, ONGs, blocos regionais e os conglomerados midiáticos dividem a cena com os tradicionais Estados-Nacionais. O poderio militar, embora crucial, já não é o único instrumento de análise para entender a busca por hegemonia. O conceito de soft power – a capacidade de influenciar através da cultura e das ideias – ganha força.

Nesse contexto, a mídia deixou de simplesmente noticiar os diferentes acontecimentos para se tornar um ator central. Como apontam estudiosos, a geopolítica é uma “construção discursiva”, e a mídia é uma das suas principais arquitetas. Ela define o que é importante, enquadra os acontecimentos e, portanto, em determinadas ocasiões, contribui significativamente para configurar mentalidades. Um evento que não é noticiado praticamente não existe no imaginário global.

Essa dinâmica cria uma relação complexa. Por um lado, a mídia pode ser um instrumento de poder. Governos e elites a usam para fabricar consenso em torno de suas agendas, como uma “guerra ao terror”. A diplomacia, outrora feita em salas fechadas, agora é performada para as câmeras, na chamada “diplomacia midiática”.

Por outro lado, a mídia também se tornou um campo de batalha. É uma “esfera pública internacional” onde diferentes atores, hegemônicos e contra-hegemônicos, disputam narrativas. Organizações consideradas “terroristas” pelo Ocidente aprenderam essa lição. Atentados como o 11 de Setembro foram meticulosamente planejados não apenas para causar destruição, mas para gerar imagens poderosas que corressem o mundo, incutindo medo e angariando atenção.

Dessa forma, ocorre uma simbiose inusitada: o “terrorismo” precisa da mídia para amplificar seu impacto, e a mídia, por vezes, se beneficia da audiência que esses eventos trágicos geram.

No entanto, é um equívoco reduzir fenômenos complexos como o “terrorismo” a uma mera estratégia de comunicação. Suas causas profundas são políticas, sociais e históricas. A mídia é um amplificador, não a origem.

Portanto, podemos concluir que uma análise geopolítica hoje é incompleta sem uma análise do discurso. A hegemonia no século XXI depende tanto de um exército forte quanto de um aparato midiático eficiente, capaz de difundir uma visão de mundo e legitimá-la perante a opinião pública global. No fim, quem controla a narrativa, controla uma peça fundamental do poder.


*Francisco Fernandes Ladeira é professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do livro “A ideologia dos noticiários internacionais – volume 2” (Emó Editora)


NOTA DA REDAÇÃO: Para adquirir o livro “A ideologia dos noticiários internacionais – volume 2”, entre em contato com o autor ou clique na capa para acessar o site da editora:


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Sequim
Sequim
3 horas atrás

O que de novo existe nisso? Hitler, cem anos atrás, já sabia disso. Goebells usou com maestria os novos meios de comunicação (rádio e tv) para canalizar todo o ressentimento alemão para os objetivos do regime nazi. Hoje em dia, a novidade são as redes sociais e o imenso poder das big techs, a ponto delas afrontarem a soberania dos Estados nacionais.

Willber Rodrigues
Willber Rodrigues
Responder para  Sequim
2 horas atrás

O algoritmo das bigh-techs deixa no chinelo o aparato de vigilância de praticamente todas as agências de inteligência mundial.
O algoritmo delas é algo que nenhuma Stasi, KGB ou CIA conseguiu chegar perto.

gordo
gordo
Responder para  Willber Rodrigues
1 hora atrás

Não é atoa que Trump quer salvo conduto para essa galera aí das redes, quer regulação zero sob a falsa premissa da liberdade de expressão. O pessoal que pergunte para o Julian Assange o que Ele acha da liberdade de expressão nos EUA.

Willber Rodrigues
Willber Rodrigues
Responder para  gordo
59 minutos atrás

Trump sempre coloca essa questão de “liberdade pras bigh-techs americanas” entre as principais queatões quando ele ameaça…ops, faz diplomacia com a UE;

Trump quer banir o Tik-Tok e Hauweii dos EUA, ou obrigá-las a ter seus data-center’s em solo dos EUA;

As bigh-techs foram as principais financiadoras da campanha do Trump, e seu principal aliado.

Mas é tudo coincidência, é claro…

Hamom
Hamom
Responder para  gordo
44 minutos atrás

“…quer regulação zero sob a falsa premissa da liberdade de expressão. ”

Regulação zero só pros EUA atuarem como quiserem em outros países, já lá dentro da américa tá tudo controlado, em nome da segurança nacional.

Última edição 43 minutos atrás por Hamom
wilhelm
wilhelm
Responder para  Willber Rodrigues
48 minutos atrás

Não existe uma fronteira clara entre o as agências de inteligência e as big-techs hoje em dia. Todas as grandes empresas de tecnologia possuem, em maior ou menor grau, alguma relação de mutualidade ou subordinação em relação as agências de inteligência das grandes potências. O interesse quase desesperado dos americanos em tirar a contraparte chinesa do controle do TikTok nos EUA não teve outra causa senão isso.

Willber Rodrigues
Willber Rodrigues
2 horas atrás

“O poder hoje é disputado em múltiplas arenas: econômicas, culturais e, sobretudo, na esfera da informação”

Embora o próprio autor reconheça isso mais a frente no texto, não tem nada de novo aí.
Acham que Hollywood e seus filmes eram o que? Apenas entretenimento inocente?
Era, e é, “soft-power” puro.
“Soft-power” que China e Coréia do Sul vem aplicando recentemente, enquanto Hollywood vive em crise.

“Ela define o que é importante, enquadra os acontecimentos e, portanto, em determinadas ocasiões, contribui significativamente para configurar mentalidades. Um evento que não é noticiado praticamente não existe no imaginário global”

Repararam que, de um ano pra cá, a guerra da Ucrânia praticamente sumiu dos principais noticiários ( lembram como era no 1° ano? ), e ficou quase restrito a sites especializados?

“A hegemonia no século XXI depende tanto de um exército forte quanto de um aparato midiático eficiente, capaz de difundir uma visão de mundo e legitimá-la perante a opinião pública global.”

Então estamos ferrados: não temos FA’s fortes, e nossa mídia é um puxadinho da CNN e Fox-News, dizeneo “amém” pra qualquer coisa vinda dos EUA.

João Carlos
João Carlos
2 horas atrás

O que mudou foram as tecnicas que agora tem maior alcance e serem empresas privadas que tem os seus proprios interesses. De resto já o Gengis Khan quando arrasava uma cidade que não se rendia deixava sempre uns poucos sobreviventes para irem contar o que tinha acontecido ás cidades vizinhas. Era chamada a propaganda do terror. Agora os grupos terroristas chamam a comunicação social para se mostrarem, se não aparece na televisão não existe.