Sergio Leo

Nos últimos oito anos, seria inconcebível a participação brasileira na Assembleia-Geral das Nações Unidas sem Celso Amorim. O ex-ministro de Relações Exteriores, desta vez, não acompanhou nem os preparativos. Desde que foi convidado para comandar a pasta da Defesa, há quase cinquenta dias, segue a orientação da presidente Dilma Rousseff de evitar ações que possam ser interpretadas como competição com o Itamaraty, sua casa de origem. Mas foi na área externa a maior surpresa levada por ele às Forças Armadas, ao anunciar que o Brasil quer retirar as tropas estacionadas no Haiti.

“Não é minha primeira experiência fora do Itamaraty”, reagiu Amorim, ao admitir ao Valor que Dilma “tinha essa preocupação” em que ele levasse diplomatas para ajudá-lo no novo posto. Impressionou o Ministério da Defesa o fato de não ter levado para lá nenhum auxiliar, e de mostrar que pretende manter os nomeados pelo antecessor, Nelson Jobim, até no gabinete. “Quanto fui para a Embrafilme, levei só o Samuel Pinheiro Guimarães, que me ajudou muito, e uma secretária”, argumenta.

Em agosto, militares, na grande maioria da reserva, manifestaram irritação na imprensa, ao ser anunciada a escolha de um diplomata, e de esquerda, para ministério. Se há irritação nas tropas, está escondida. Dilma teve o cuidado de reunir Amorim com os comandantes das três forças, logo após a posse, para assegurar que não haveria mudanças bruscas. Além de ações simbólicas, como participar, no dia 4, pela primeira vez, da cerimônia mensal de troca da bandeira, ao lado do ministro, Dilma emitiu sinais muito concretos do prestígio de Amorim: verbas para a Defesa.

Na semana seguinte à posse, em agosto, Amorim almoçou com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Dias depois, o ministério do Planejamento liberava crédito suplementar de R$ 45 milhões para o programa Astros 2020, de lançamento de foguetes do Exército. Bem abaixo dos R$ 200 milhões (de um contrato de R$ 1,1 bilhão, no total) esperados pela empresa, mas o suficiente para recontratar funcionários e reativar as instalações paradas por falta de recursos.

A verba para a Avibrás – saudada pelos especialistas no setor como sinal para atrair potenciais clientes estrangeiros – foi motivo de intensas e frustradas pressões de Jobim sobre o ministério da Fazenda. Dilma também recompôs o orçamento da Pasta, como noticiou o Valor, aliviando o contigenciamento de verbas para Amorim, liberando em setembro R$ 900 milhões, com a promessa de liberar mais R$ 1,7 bilhão em outubro, dos R$ 4,3 bilhões congelados do orçamento de 201. A retenção desses recursos foi uma das razões para a saída de Jobim.

Desde que assumiu o novo posto, Amorim, quando não está viajando, realiza reuniões diárias para aprofundar-se nas tarefas de cada setor do ministério. Ele próprio calcula que as negociações para criação da Comissão da Verdade, que investigará violação de direitos humanos na ditadura, ocuparam um quinto de seu tempo, desde então, com telefonemas e encontros com líderes partidários. Enfrentou resistências na oposição, como a do líder do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto, que o acusou de “ideologizado”. Mas contou com a ajuda do ex-deputado José Genoíno, levado ao ministério por Jobim, a quem Amorim confiou boa parte dos contatos políticos.

O novo ministro tem feito viagens para conhecer instalações espalhadas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica em todo o país. Na última, em Dourados (MS), ao acompanhar a operação Ágata 2, de controle militar e policial na fronteira, comoveu-se com estudantes do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Grande Dourados. “Nosso centro acadêmico se chama Celso Amorim”, informou uma das universitárias.

As viagens internacionais reduziram-se drasticamente, mas não foram extintas da agenda de Amorim, que, na segunda semana de setembro, viajou aos três países do Mercosul, a começar pela Argentina, onde assinou declaração conjunta com o ministro da Defesa do país vizinho, Arturo Puricelli, defendendo manutenção do Atlântico Sul como zona de paz. “Na América do Sul, o resumo de nossa política é: para dentro cooperação, para fora dissuasão”, repete o ministro, embora ressalve que não exclui cooperação com militares de outras regiões.

Na Argentina, como no Uruguai e no Paraguai, Amorim foi recebido pelos presidentes, mas procurou manter as conversas no terreno do Conselho de Defesa da Unasul, sua nova prioridade, ao lado do reforço do orçamento e da cooperação em matéria de equipamentos militares – tema que levantou interesse dos vizinhos; a Argentina, que já se associou ao projeto do cargueiro da Embraer, KC-390, quer desenvolver com o Brasil um jipe militar. Com o presidente paraguaio Fernando Lugo, teve o cuidado de antecipar as ações do Ágata 3 que também combateu contrabando de gado de região paraguaia com surto de aftosa.

Pelo menos um militar de alta patente comenta que houve incômodo no Exército com a decisão do governo de manter tropas no Complexo do Alemão. Mas, na semana passada, um oficial do alto comando do Exército fez questão de dizer ao ministro que os dirigentes das Forças Armadas preferem ver soldados nas “atividades subsidiárias” a vê-los o tempo todo nos quartéis.

Amorim recebeu do governador Sérgio Cabral a informação de que já havia autorização de Dilma para a permanência das tropas. Já sabendo disso, insistiu e obteve do governador, porém, um cronograma para troca progressiva dos soldados por policiais, até junho de 2012.

Com o novo ministro, o ritmo do ministério perdeu o tom frenético que havia sob Jobim: Amorim chega ao trabalho por volta das oito e meia da manhã e sai raramente depois das oito da noite. Já avisou que não pretende usar uniformes de campanha, no máximo um casaco e botas, se as condições do local exigirem. E, ao contrário do antecessor, está longe de ser um aficcionado em aparelhos eletrônicos. Não costuma ler notícias em computador, e ligações para seu celular são atendidas por um ajudante de ordens.

FONTE: Valor Econômico

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