Por Andrei Netto, correspondente

Desde a explosão da bolha dos subprimes, os créditos imobiliários de alto risco, em 2007, e da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008, nos Estados Unidos, e do início da turbulência causada pelas dívidas soberanas na Europa, em dezembro de 2009, virou lugar comum lembrar que em grego a palavra “Krisis” significa “decisão” e, em chinês, pode ser usado tanto como “perigo” como “oportunidade”. Mas é exatamente nessa ambivalência do termo que confia o embaixador do Brasil na França, José Maurício Bustani.

Em lugar de recessão econômica, desemprego e ameaças de implosão da zona do euro, o diplomata, no posto desde 2008, vê em Paris um manancial de oportunidades para empresários brasileiros dispostos a desbravar a Europa – inspirando-se no caminho inverso, trilhado há várias décadas pelas multinacionais do Velho Mundo. Em entrevista ao Estado, concedida na terça-feira, horas antes da festa de gala realizada pela Câmara do Comércio do Brasil na França (CCBF) – criada na sua gestão -, o diplomata enfatizou a queda do preço dos ativos na Europa e, em particular, na França, para advertir: é a hora de investir.

Bustani fala com conhecimento de causa. Nos últimos quatro anos, vem costurando acordos políticos, industriais e comerciais entre Brasil e França que resultaram na Parceria Estratégica firmada entre Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy. Submarinos e helicópteros já estão em produção, e o embaixador vê os caças Dassault Rafale como os ideais para reequipar a Força Aérea (FAB).

A janela para negócios, entretanto, vai bem além do âmbito militar. Para Bustani, por viverem um momento de contração financeira, a França e a Europa estão abertas ao capital estrangeiro, esperando que investidores de países emergentes, como o Brasil, venham suprir a carência de dinâmica econômica.

Os campos, diz o embaixador, são os mais variados: vão do supercomputador cuja tecnologia a França se mostra disposta desde 2009 a compartilhar com o Brasil até brechas para a atuação de empreiteiras brasileiras. Tudo isso, assegura, será ainda mais impulsionado pela proximidade ideológica entre o presidente socialista François Hollande e Dilma Rousseff, que será recebida no Palácio do Eliseu no início de dezembro. A seguir, os principais trechos da conversa.

A câmara de comércio

“O Brasil tem câmaras de Comércio em Nova York e em Londres, as duas já bem antigas. Em Paris, quando eu cheguei, não havia uma câmara. Com o movimento enorme que há entre os dois países, sobretudo do ponto de vista da França, que tem mais de 500 empresas com filiais no Brasil – algumas delas desde o começo do século passado -, era estranho que não houvesse uma entidade como essa. Com a câmara, estimulamos as relações entre os dois países e incentivamos – o que é meu grande objetivo – os empresários brasileiros que estão se internacionalizando. Há grandes oportunidades aqui.”

A imagem da França

“Há uma percepção no Brasil que precisa ser mudada. Não nos damos conta de que a França desenvolveu sozinha desde De Gaulle toda uma gama de alta tecnologia que passa pelo nuclear, pela biodiversidade, pela biotecnologia, pela medicina, por equipamentos de tratamento de câncer, pelos trens de alta velocidade (TGV), pela aviação, pelos satélites, por tudo. E toda essa tecnologia é deles, propriedade do Estado francês. O Brasil ainda não percebeu isso. Nossa mentalidade é de que essas tecnologias só existem nos Estados Unidos, ou agora na China. O potencial da França é gigantesco.”

A parceria estratégica

“Estabelecemos a parceria estratégica, com Lula e Sarkozy, em 2009. É uma verdadeira parceria, porque não é retórica e tem resultados concretos. Foi uma decisão de muito alto nível, do Estado brasileiro e do Estado francês. A França é dona de sua tecnologia. Mas ela não conseguirá sozinha levá-la às suas novas etapas e suas novas dimensões. Eles se deram conta de que precisam encontrar um parceiro com potencial, de preferência nos países emergentes. O Brasil foi a escolha óbvia, pelos laços tradicionais, pela comunidade de instituições, pela comunidade de cultura, por ser uma democracia consolidada e pelo sucesso do desenvolvimento que colocou o país em outro patamar.”

A relação entre o Estado e as empresas na França

“As empresas francesas têm muita participação estatal. Sobretudo quando se trata de colaboração em áreas de tecnologia muito sensíveis, você tem de ter o apoio do governo, porque envolve segredos industriais. Essa parceria entre os Estados foi estabelecida. Temos os helicópteros sendo construídos, assim como os submarinos. O estaleiro em que estão sendo construídos é algo emocionante, porque são os nossos submarinos, que depois serão montados na base de Itaguaí.”

Negociações em curso

“Há outros campos em que estamos em negociações. Um deles é importantíssimo: o do supercomputador. Só os Estados Unidos, a China e a França têm uma máquina dessas, que é o cérebro do país. Os franceses estão dispostos a transferir toda a tecnologia e a construir um supercomputador no Brasil.”

O supercomputador

“Imagine um Pentágono feito de máquinas. O supercomputador é algo inacreditável em termos de capacidade de cálculo. Só os Estados Unidos, a China e a França têm um. A proposta é montar um computador desses no Brasil, treinar pessoal e deixá-lo em funcionamento lá, cada um desenvolvendo seus próprios usos, mas com cooperação. Esse computador pode servir para as mais diferentes áreas. Ele controla as armas nucleares francesas, mas pode servir para qualquer escola da França que se interesse em usar sua capacidade de cálculo. É algo importante para o controle do espaço aéreo, para a Petrobras, para os submarinos, para tudo, porque permite que se aloque fatias do supercomputador a projetos específicos. No meio do país fica um cérebro que calcula tudo em questão de segundos. Nunca visitei nada tão importante na minha vida. O acordo vem sendo negociado com o Ministério da Ciência e Tecnologia, mas não tem previsão ainda. É um projeto que não demora muito tempo. Vem antes das conversas sobre o Programa Espacial.”

O programa espacial

“Os franceses estão dispostos também a fazer um programa espacial com o Brasil. Os seus lançadores e seus satélites passariam a usar a base de Alcântara, em colaboração com a base de Kourou (o centro espacial francês na Guiana Francesa). As duas não são competitivas, mas complementares. Como a transferência de tecnologia é efetivamente feita – e essa é a beleza das parcerias com a França -, criamos projetos industriais no Brasil, que por sua vez criam empregos no Brasil e criam empresas que vão alimentar as grandes indústrias.”

Impacto no Brasil

“Esses grandes projetos terão um impacto enorme no desenvolvimento do Estado brasileiro. Para fazer um submarino, é preciso ter toda uma linha de empresas que vai trabalhar na fabricação das partes. Assim é com o supercomputador, com o programa espacial. Além da tecnologia, nesse processo resgataremos tudo o que perdemos em cérebros – todos os físicos, os químicos foram trabalhar fora acabam recrutados de volta. A Marinha já está recrutando físicos da área civil porque não tem gente para dar conta de seus projetos. Temos a capacidade intelectual para absorver a tecnologia que estão nos oferecendo.”

Interesse das empresas

“Sim, existe interesse das empresas brasileiras. A Odebrecht acabou de criar a Odebrecht Defesa, para poder absorver a tecnologia que vamos receber. Essas parcerias funcionam como uma joint venture com o Brasil. Dão origem a empresas franco-brasileiras. Normalmente o diretor da empresa acaba sendo um brasileiro. É a forma como os franceses trabalham, que é diferente da de outros países. Isso tudo parece ser desconhecido da opinião pública no Brasil. As pessoas nem se dão conta do papel da Renault, da Peugeot, da L’Oreal, etc, na economia do Brasil. A segunda maior distribuidora de eletricidade no Brasil é a francesa GDF Suez. Ninguém se dá conta disso.”

Lançar-se ao exterior

“A comunidade empresarial brasileira cada vez mais desperta para as oportunidades aqui na França e na Europa. Nós vamos realizar em dezembro na Fiesp um seminário justamente sobre o que a França oferece, sobretudo agora com os ativos com valor mais baixos. Os empresários brasileiros precisam acordar e se dar conta de que há oportunidades agora e o momento é bom. Há uma gigantesca presença francesa no Brasil e oportunidades aqui que não estão sendo preenchidas pelo empresariado brasileiro, que já tem a capacidade necessária.”

O momento

“O momento é bom porque os ativos estão com preços baixos. A França está aberta à participação externa. As oportunidades estão aí. As empreiteiras brasileiras, por exemplo, poderiam aproveitar, mesmo com a concorrência (Vinci e Bouygues, entre outras). O seminário vai ser a oportunidade para identificar essas áreas. Os próprios franceses criaram uma agência de captação de empresas estrangeiras no Brasil. Vão participar do seminário.”

Visita de Dilma a Paris

“É sua primeira visita de Estado. O Lula fez uma visita oficial, a de Dilma Rousseff é a primeira de Estado que ela fará à França e será a primeira que Hollande receberá de um brasileiro. Representa a reiteração da Parceria Estratégica estabelecida em 2009 e a abertura de novas áreas de colaboração. Também vamos relançar o Grupo de Alto Nível Econômico e Financeiro, que é o encontro dos governos e dos empresários dos dois lados. Os governos dão o arcabouço legal e os empresários vão adiante. Tudo está caminhando da forma mais positiva possível.”

Hollande e Dilma

“Há um contexto de aproximação de visões do mundo, com dois governos de centro-esquerda. A percepção dos dois governos em relação à governança mundial é muito parecida, a preocupação em encontrar um equilíbrio entre o crescimento e a política fiscal séria, etc. Os discursos de ambos têm sido muito parecidos. E isso permite que os dois países possam ter uma voz comum nas discussões internacionais, sobretudo no G20. A colaboração é profunda e estratégica. Da forma como ela é feita, vira uma joint venture e não termina mais.”

Ruídos na comunicação

“Houve um governo novo no Brasil e um governo novo aqui. Até as coisas se assentarem, toma um certo tempo. Agora ambos já estamos com muito bom contato. O Jean-Yves Le Drian, ministro da Defesa da França, esteve no Brasil e não falou só de Rafale. O Rafale é importante, mas não é um must. Para nós, é uma opção bastante válida, por causa da transferência de tecnologia, que os dois outros concorrentes não têm condições de oferecer.”

Os caças Rafale

“Seria obviamente muito interessante a compra dos Rafale e uma eventual parceria entre a Dassault e a Embraer. (…) São oportunidades que o Brasil precisa ver com muita atenção, porque são parcerias em pé de igualdade. Não são apenas vendas, que são o grande problema dos americanos. Eles têm impedimentos legais insuperáveis no congresso. Aqui a tecnologia é da França, e há uma decisão do Estado de transferir tecnologia. Isso é o mais importante para o Brasil. Com isso o Brasil ganha 40 anos.”

Por que a Europa se interesse pelo Brasil

“O Brasil se consolidou como uma democracia estável que se desenvolve, com um nível de crescimento que é menor do que o da China, mas cada vez mais dentro dos moldes ocidentais. Por isso o diálogo com a França é tão bom, de ambas as partes. Não conseguiríamos fazer a mesma parceria de compartilhamento com outro país.”

FONTE: O Estado de S. Paulo

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wwolf22
wwolf22
11 anos atrás

Off Topic,

li no site do Execito que a Indonesia comprou mais 36 baterias do sistema Astros…
Vcs teriam mais informacoes ?!?!

graanbarros
graanbarros
11 anos atrás

Sim wwolf, mas foram 2 baterias da versão atual “MK6” do ASTROS, ou seja, 36 viaturas entre elas: comando, lançadores, municiadores, etc.

Baschera
Baschera
11 anos atrás

Parceria com francês ??

Não obrigado….. chega de parceria “caracú” !

Sds.

giltiger
giltiger
11 anos atrás

Pois vai se acostumando Baschera pois a parceria tende a se APROFUNDAR…

E não é só por causa dos SUBMARINOS…

Como no texto vem aí supercomputador, foguetes (xô Ucrânia) e o pessoal anda esquecido do projeto COBRA-FELIN para as forças terrestres que está correndo por fora e debaixo da cobertura de radar…

Este post mostra que atrás de toda a influência francesa existia um embaixador brasileiro MUITO ATIVO E ENGAJADO…

José Maurício Bustani é O CARA que a turma dos FANBOYS deveria odiar…

Vader, Tireless, Juarez & CIA ILIMITADA…

Eu virei FÃ do Zé Mauricinho Bustani…

Merci Beaucoup…