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THOMAS L. , FRIEDMAN, THE NEW YORK TIMES – O Estado de S.Paulo

Há algum tempo, venho me perguntando por que motivo não houve uma Terceira Intifada, ou seja, nenhum levante palestino na Cisjordânia. A primeira delas ajudou a dar impulso ao processo de paz de Oslo e a segunda – com mais munição pesada do lado israelense e atentados suicidas do lado palestino – redundou no fracasso de Oslo.

Os palestinos têm várias explicações: são excessivamente pobres, excessivamente divididos, estão excessivamente cansados ou chegaram à conclusão de que essas revoltas, no fim, foram mais prejudiciais do que benéficas para a sua causa, principalmente a segunda. Mas é óbvio que está ocorrendo uma Terceira Intifada e a que os israelenses mais temiam. Não a intifada com pedras ou fanáticos suicidas, mas a que se trava por meio da resistência não violenta e do boicote econômico.

Essa Terceira Intifada não envolve os palestinos em Ramallah, mas a União Europeia em Bruxelas e outros opositores da ocupação israelense da Cisjordânia em todo o mundo. Qualquer que seja sua origem, ela está se tornando concretamente uma poderosa alavanca para os palestinos nas negociações com Israel.

Os líderes israelenses denunciaram recentemente o secretário de Estado, John Kerry, por advertir publicamente que o boicote e a campanha que tem a finalidade de tirar a legitimidade de Israel se intensificarão se as atuais conversações de paz fracassarem. Mas Kerry está certo.

O ministro das Finanças, Yair Lapid, falou à Rádio Exército de Israel, na segunda-feira, que se não for alcançada a solução de dois Estados com os palestinos “isso afetará o bolso de cada cidadão israelense”. A economia do país depende das exportações de produtos agrícolas e de tecnologia para a Europa e dos investimentos europeus em suas indústrias de alta tecnologia.

Segundo Lapid, até mesmo um boicote limitado que reduzisse em 20% as exportações israelenses para a Europa custaria a Israel mais de US$ 5 bilhões ao ano e milhares de empregos. É por isso, acrescentou, que “Israel não adotará uma política com base nas ameaças”. Mas fazer de conta que as ameaças não existem, ou que não são sérias, ou que este processo não está aqui, diante de nós, também não é uma atitude séria”.

Recentemente, o jornal israelense Haaretz noticiou que a maior gestora de fundos de pensão da Holanda, a PGGM, “decidiu retirar todos os seus investimentos dos cinco maiores bancos de Israel que têm agências na Cisjordânia e/ou estão envolvidos no financiamento de construções nos assentamentos”. O Jerusalem Post disse que o Danske Bank, o principal banco dinamarquês, decidiu boicotar o Banco Hapoalim de Israel por “razões legais e éticas” relativas a sua operação nos assentamentos.

Esta Terceira Intifada, na minha opinião, tem potencial muito maior de impacto no longo prazo porque, ao contrário das duas primeiras, coincide com a proposta do presidente palestino, Mahmoud Abbas, no âmbito de um acordo que prevê a criação de dois Estados, de aceitar a permanência das tropas israelenses por cinco anos durante sua retirada escalonada da Cisjordânia até as linhas estabelecidas em 1967 e, então permitir que as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) preencham um eventual vazio estratégico para tranquilizar Israel.

Segurança 

Em outras palavras, a Terceira Intifada tem base numa estratégia que pretende fazer com que os israelenses se sintam estrategicamente seguros, mas moralmente inseguros. As duas primeiras acabaram fracassando porque nunca incluíram o mapa de uma solução de dois Estados e medidas de segurança. Elas não passaram de explosões selvagens de raiva contra a ocupação.

Será impossível abalar a maioria silenciosa israelense enquanto ela se sentir estrategicamente segura e moralmente insegura, o que o Hamas fazia com seus bombardeios insanos sobre Israel depois da retirada de Gaza. Poucos israelenses se preocuparam ao revidar. Mas o presidente Anuar Sadat do Egito conseguiu tudo o que quis fazendo com que os israelenses se sentissem estrategicamente seguros, mas moralmente inseguros por ocuparem algum dos seus territórios.

Esta Terceira Intifada também ganha força pela saída do cenário mundial de dois líderes fundamentais: Nelson Mandela e o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad do Irã. Para Israel, Ahmadinejad era fonte inesgotável de justificativas: um presidente iraniano que negava o Holocausto e rejeitava os esforços globais para convencer o seu país a renunciar à construção da bomba nuclear. Não era uma pessoa que inspirasse afeto.

A substituição de Ahmadinejad por Hassan Rohani, líder aberto a negociações, que admite a existência do Holocausto, é muito mais problemática para Israel. Meu instinto diz também que a morte de Mandela fez com que muitos dos seus seguidores procurassem maneiras de homenagear seu legado e dar continuidade à sua obra. Eles o descobriram, em alguns ambientes universitários: adotar o boicote a Israel até que acabe com a ocupação da Cisjordânia.

Os israelenses têm razão de suspeitar que alguns defensores do boicote usam essa causa para mascarar seu antissemitismo, considerando como insistem nos crimes de Israel. Mas isso não significa que instalar 350 mil colonos na Cisjordânia e fechar os olhos às dezenas de outros ilegais – que até Israel considera fora da lei – seja do interesse israelense, ou mesmo uma política inteligente.

Se quisesse realmente reduzir a força da campanha pelo boicote, Israel declararia que, enquanto Kerry tentar chegar a um acordo, e há esperanças de sucesso, congelará toda atividade nos assentamentos para que a paz tenha finalmente uma chance. Acho improvável.

Mas uma coisa eu sei com certeza: a incessante obstrução às iniciativas de Kerry por parte dos ministros israelenses e a exigência de que os palestinos parem com sua campanha de “incitação” – ao mesmo tempo que Israel se julga livre para continuar construindo assentamentos – seguramente não está contribuindo para garantir amigos na Europa ou nos EUA. Ao contrário, dará mais munição à campanha do boicote. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

É COLUNISTA

FONTE: O Estado de S. Paulo

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CorsarioDF
CorsarioDF
10 anos atrás

Interessante a matéria e a colocação da guerra “silenciosa” dos Palestinos.

ST.

Mauricio R.
Mauricio R.
10 anos atrás

O “politicamente correto” europeu cansa!!!

Renato.B
Renato.B
10 anos atrás

A matéria é interesse, abordou o ponto essencial de que a na base de um conflito está a vontade, que passa pela questão moral, como o autor coloca.

O que também deixa claro que se tem algo que possa demover o estado de Israel é o próprio povo israelense e isso é um mérito deles.

Se os palestinos trocaram os foguetes e suicidas pelo uso de neurônios, as chances para eles melhoram. Ai, quem sabe, eles influem na vontade do povo do outro lado do muro.