Missão brasileira no Haiti

Por Cel Marcos Venicio Mendonça

O caminho percorrido pelas Nações Unidas foi longo e coincidiu com a própria formação dos Estados-membros. Ao longo das eras, a evolução da humanidade foi marcada por série de acontecimentos determinantes, que geraram eventos sucessivos. Tudo isso fez com que o mundo chegasse ao que conhecemos hoje. Essa evolução foi acompanhada pela história dos atritos entre as nações e pela tendência destas em buscar um equilíbrio que fizesse, se não desaparecer por completo, pelo menos minimizar os conflitos entre os Estados, seja por razões territoriais, seja por questões religiosas ou de soberania.

Na mesma linha de desenvolvimento, encontra-se a própria ideia de Estado-nação. Pode-se dizer que o marco do surgimento desse conceito ocorreu no fim da Guerra dos Trinta Anos, com a Paz de Westfália (1648). Essa série de tratados foi um conjunto de diplomas que deu surgimento ao moderno Sistema Internacional, pois acatou, consensualmente, noções e princípios, tais como o de soberania estatal e o de Estado-nação.

Com esses acordos, surgiu, também, a noção embrionária de que a paz duradoura derivava do equilíbrio de poder, embora o imperativo da paz tenha surgido em decorrência da longa série de conflitos generalizados que destruiu a Europa. Tal princípio de paz e de equilíbrio aprofundou-se com o Congresso de Viena (1815) e com o Tratado de Versalhes (1919).

Como consequência direta desse último Tratado, da rejeição aos horrores da Primeira Guerra Mundial e da ação do presidente Americano Woodrow Wilson, surgiu a Liga das Nações, ente embrionário nascido com o objetivo de solucionar as contendas entre os Estados, a ponto de ter a inocente pretensão de impedi-los de irem à Guerra, buscando resolver as disputas no campo diplomático. O insucesso em evitar a Segunda Guerra Mundial levou à dissolução da Liga das Nações e ao surgimento da ONU em 1945.

Desde sua fundação, esse organismo internacional vem tentando impedir que países entrem em conflito ou, ainda, que tragam a paz a territórios e nações que não conseguiram pôr fim a seus problemas isoladamente. Para isso, a ONU utiliza-se de diversos meios previstos em sua Carta, sendo um deles as operações de paz (tanto na imposição quanto na manutenção), das quais o Brasil participa desde a década de 1930 (na época, sob a égide da Liga das Nações).

A primeira missão da Organização das Nações Unidas foi estabelecida em outubro de 1947, tendo o Brasil enviado à Grécia três oficiais, um de cada Força Armada, para participar da Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs (UNSCOB). Em 1956, o Brasil enviou um Batalhão ao Canal de Suez para atuar na Força de Emergência das Nações Unidas. A partir daquele momento, outras missões contaram com militares e civis brasileiros, que trabalharam diretamente em missões de paz.

Desse modo, as Nações Unidas vêm atuando em conflitos e em pós-conflitos, buscando dirimir arestas entre contendores e promover a tão utópica paz mundial. Essa atuação perpassa todos os campos do poder, sendo o militar o de maior visibilidade. Até o momento, a Organização operou em 71 missões de paz, das quais 38 tiveram a participação do Brasil. Atualmente, das 16 missões da ONU, o Brasil atua em 11.

Em 2004, o Brasil assumiu a liderança da força militar internacional na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), missão de paz criada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de abril daquele ano, por meio da Resolução n.º 1542, com contingentes de vários países, como Argentina, Bolívia, Chile, Coréia do Sul, Equador, Filipinas, Guatemala, Japão, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Sri Lanka e Uruguai. Na estrutura da missão, também trabalharam outros países, como Canadá, Estados Unidos e França.

Após o terremoto, em 12 de janeiro de 2010, o Brasil aumentou a participação na MINUSTAH, com um contingente de cerca de dois mil homens. Ao longo de 13 anos, em torno de 37.500 militares das três Forças (Marinha, Exército e Força Aérea) integraram as tropas. Além disso, a liderança do componente militar esteve sempre sob a responsabilidade de um oficial-general do Exército Brasileiro.

As principais missões das tropas foram contribuir para a manutenção de ambiente seguro e estável; cooperar com as atividades de assistência humanitária e de fortalecimento das instituições nacionais; realizar operações militares de manutenção da paz em sua área de responsabilidade; e cooperar com a reconstrução da nação haitiana por meio de trabalhos de engenharia.

Em relação ao Batalhão Brasileiro de Força de Paz (BRABAT), foram diversas ações operacionais: patrulhas a pé e motorizadas; check point e static point; segurança de pontos sensíveis e de canteiros de obra das unidades de Engenharia; escolta de comboios e segurança de autoridades; operações conjuntas com a Polícia Nacional do Haiti (PNH) e a Polícia da ONU (UNPOL); operações de busca e apreensão e de controle de distúrbios.

Já a Companhia de Engenharia de Força de Paz (BRAENGCOY) foi criada em 2005, momento em que se estabeleceu no Haiti com um efetivo de 150 militares, passando a 250 a partir de 2008. A BRAENGCOY teve como missões cooperar para a manutenção de ambiente seguro e estável; prover apoio de Engenharia à MINUSTAH e apoiar a reconstrução do país. Entre os inúmeros trabalhos realizados, destacam-se asfaltamento; produção e transporte de água tratada; reparo de estradas; regularização de terrenos; remoção de escombros e entulhos; limpeza de valas; perfuração de poços; e produção de brita, água e asfalto.

O apoio às vítimas do terremoto em 2010 e do furacão Mathew em 2016, a garantia dos diversos pleitos eleitorais e as ações de Cooperação Civil-Militar (CIMIC) foram atividades extremamente importantes e que marcaram a atuação do contingente brasileiro no país caribenho.

Após 13 anos da presença militar no Haiti e dos bons resultados, o Conselho de Segurança da ONU decidiu pela extinção da missão em 13 de abril de 2017, iniciando processo gradual de remoção até o esvaziamento do contingente militar. Desse modo, encerrou-se, em 15 de outubro, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. Na sequência, entrará em cena a Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti (MINUSJUSTH), que prevê a participação de militares brasileiros

Assim, os soldados Bon Bagay (“boa gente”, em creole; expressão utilizada pelos haitianos para saudar os militares estrangeiros), continuarão ajudando a população do Haiti com a Mão Amiga das Forças Armadas, ao mesmo tempo em que prosseguirão representando o espírito solidário do povo brasileiro. São os Soldados da Paz que fizeram a diferença e cumpriram a missão, com o sacrifício da própria vida.

FONTE: Exército Brasileiro

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Carvalho
Carvalho
6 anos atrás

Bom dia,
Já falamos várias vezes aqui do número de baixas das tropas do EB
Alguém sabe precisar as baixas das guangues??

Renato B.
Renato B.
6 anos atrás

Carvalho, difícil saber, até para separar quem foi morto pela Minustah ou por conflitos entre gangues. Mas seria legal saber essa estatística. O livro A República Negra, escrito por um repórter que conviveu com as tropas por lá, fala dos confrontos com gangues e com membros do antigo exército Haitiano, que foi dissolvido.

Lembrando que nem só de brasileiros era feita a Minustah. O livro comenta que os militares Jordanianos tinham fama de sentar o dedo com facilidade. Inclusive que fizeram o uso de munição 20mm várias vezes.

Carvalho
Carvalho
6 anos atrás

Renato,

A dica do livro é boa….vou procurar

Tallguiese
Tallguiese
6 anos atrás

Pegunta: As forças armadas do Haiti serão renovadas ou reequipadas? O Brasil poderia colaborar com o reequipamento deles? Novas doutrinas, A-29, blindados cascaveis ou urutus usados, peças de artilharia e etc? Ou não?

Delfim Sobreira
Delfim Sobreira
6 anos atrás

Dá idéia não. Corremos o risco de tomar calote. Já basta calote de Venezuela e de Cuba.

Drone
Drone
6 anos atrás

Tallguiese, seria ótimo ajudarmos a restruturação do exercito haitiano, mas quando você lê, que a fab não consegue abastecer nossas tropas na fonteira, ve que isso é improvável, e irresponsável.

Ronaldo de souza gonçalves
Ronaldo de souza gonçalves
6 anos atrás

O Brasil está de parabéns,pois foi graças a sua intervenção principalmente humanitária que o Haiti teve um socorro,pois a fome lá era brutal.O Pais tem que ser reconstruído e uma ajuda para montar seu exercito ,força aérea,e marinha e policia militar seria bem vinda,inclusive com alguma doação militar,mas principalmente na organização e doutrina.Não creio que o Haiti tenha condição de comprar nada,eles tem que reconstruir o pais,e pelo que sei tem um caminho muito longo pela frente.