Os impasses inevitáveis de qualquer acordo entre Trump e Putin para o fim da Guerra Russo-Ucraniana

Por Rodolfo Queiroz Laterza [1]
Apesar das enormes expectativas no mundo que envolvem os resultados da reunião entre o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, e o Presidente da Federação Russa Vladimir Putin, que geram sentimentos de resolução da guerra russo-ucraniana, é essencial considerar fatores estratégicos no âmbito da Federação Russa negligenciados nas análises de suas motivações geopolíticas e políticas para a deflagração do conflito com a invasão à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
A desconsideração dos elementos causais do conflito pelo viés estratégico russo torna oblíqua e sujeita a erros de predição a dinâmica deste conflito de repercussão mundial, impedindo uma análise mais delimitada e precisa do cenário.
Para uma objetividade mais delimitada da análise do problema do fim da guerra e como mesmo declarações pública entusiasmadas da reunião entre Trump e Putin pouco irão direcionar a resolução do conflito, buscaremos neste ensaio ponderar os impasses estratégicos na perspectiva da Federação Russa que a motivou a proceder uma operação militar de alta intensidade e risco geopolítico subjacente, além do porquê o Kremlin e a sociedade russa encaram esta guerra não como algo um impasse específico com a Ucrânia ou meramente restrito a questões territoriais, mas há uma consideração de caráter existencial para a Federação Russa que trabalha o conflito em uma realidade de guerra por procuração com o Ocidente coletivo.
Podemos sintetizar os objetivos estratégicos primordiais da Rússia neste conflito e o problema de aplicação por qualquer acordo correlacionado com base no regime de Kiev, países europeus patrocinadores do conflito e a instabilidade do governo Trump:
- Neutralidade permanente da Ucrânia perante qualquer bloco militar, principalmente a OTAN e proibição de bases estrangeiras em território ucraniano. Problema de aplicação : qual mecanismo jurídico que irá determinar isso para o futuro, pois mero acordo interpartes não resolverá e a Rada ucraniana nunca irá aprovar qualquer modificação na constituição ucraniana nesse sentido;
– Redução permanente da capacidade de combate das Forças Armadas da Ucrânia (a intitulada “desmilitarização”). Problema de aplicação: qual mecanismo vinculante para perenizar isso.
- Controle integral do Donbass. Problema de aplicação:*ainda faltam cidades – fortalezas com alto valor simbólico, político e estratégico, como Kramakorsk, Slavyansk, Konstantinovka, Pokrovsky, Seversky, Serebryanka, Liman, Yampol a serem capturadas pelas forças russas, embora a dinâmica no terreno seja tática e operacionalmente favorável no segundo semestre de 2025. Ainda restam pelo menos 29% da região de Donetsk e 28% da região de Zaporozhye a serem controladas pela Rússia.
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Controle de cidades estrategicamente importantes da oblast de Kharkhiv. Problema de aplicação: sem retomar Krasny Liman, Kupyansk e Izium, a Rússia perde a margem esquerda do Rio Oskol e uma essencial zona de amortecimento de proteção da oblast de Luhansk, além de serem cidades logisticamente importantes para seu esforço de segurança.
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Restabelecimento do russo como idioma oficial. Problema de aplicação: politicamente inviável na estrutura e conjuntura políticas da Ucrânia atual, que introduziu em sua ordem jurídica legislações diversas proibindo o exercício desse direito fundamental.
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Reconhecimento da Criméia como área da Rússia. Problema de aplicação: Totalmente inviável política e juridicamente na configuração da Ucrânia atual, que com a União Europeia vai recusar tais demandas.
Novamente sobre os objetivos estratégicos declarados e até essenciais da Rússia, trazemos ainda os seguintes detalhes, com abordagem surpreendentemente crítica para o Kremlin que não tem como fechar qualquer acordo sem realmente “resolver as causas profundas do conflito” tal como Putin tanto alardeou:
Reconhecimento do DPR e LPR pela Ucrânia através de imposição pelos EUA – o objetivo russo militarmente falando foi bastante ultrapassado e a região de Donetsk como um todo pode ser capturada até dezembro deste ano, resolvendo um dos pontos essenciais para a Federação Russa ao deflagrar a invasão de 24 de fevereiro de 2022. Com isso, acabarão de fato fazendo parte da Rússia, mas sem o reconhecimento da Ucrânia e de seus patrocinadores europeus que estão na estratégia da guerra até o último ucraniano. A situação prática aqui é mais significativa do que a diplomática.
O reconhecimento da Crimeia pela Ucrânia como parte da Federação Russa não foi cumprido e não será até a efetiva capitulação política do regime de Kiev na configuração atual – um ventríloquo de interesses do ocidente coletivo; o regime de Kiev recusa-se a reconhecer a Crimeia como parte da Federação Russa como declarou várias vezes e nenhum acordo com Trump vai se sobrepor a esse impasse interno que pode levar à dissolução do sistema político e governamental da Ucrânia. Sem atingir uma série de outros objetivos militares e políticos, este objetivo é inatingível para a Federação Russa.
A declarada “desnazificação” não foi concluída como objetivo da Federação Russa. O regime de Kiev sustentado por facções extremistas e a própria sociedade ucraniana ainda tem parcela significativa de neonazistas e extremistas ainda estruturados em organizações diversas. Azov por exemplo ainda existe e tenta cada vez mais ser como os seus antecessores históricos em termos de terror contra a Rússia e a sua própria população. Enquanto existirem essas estruturas institucionalizadas extremistas como Pravy Sector, Kraken, Svoboda, Azov, mesmo sem capacidade de combate como outrora, o objetivo de desnazificação da Ucrânia não poderá ser alcançado. Sim, um grande número de extremistas secundários de nível inferior e médio e até alto escalão foram destruídos e são destruídos todos os dias, mas quase todos os líderes principais ainda estão vivos.
Desmilitarização – se considerarmos a própria Ucrânia como máquina militar extensa, poderosa e altamente equipada antes e durante o conflito, então tal objetivo foi parcialmente concluído, pois uma parte significativa da indústria militar e dos recursos militares da Ucrânia foram destruídos, incluindo centenas de milhares de soldados ucranianos mortos. Mas como os Estados Unidos e a OTAN continuam a bombear armas e mercenários para a Ucrânia, o objetivo de desmilitarizar a Ucrânia ainda não foi plenamente alcançado. Do ponto de vista militar, o território da Ucrânia, que se encontra em processo de desenvolvimento militar pela OTAN, representa ainda uma ameaça militar sistêmica para a Rússia, como se pode verificar pelos ataques massivos diários de drones, operações de sabotagens em território russo e incursões continuadas em áreas fronteiriças de Belgorod e Kursk, mesmo após a derrota estratégica ucraniana com a incursão militar de 06 de agosto de 2024 em Kursk.
Neutralização política – este objetivo russo não foi alcançado. O regime de Kiev é uma substância profundamente hostil à Rússia ao serviço dos inimigos da Rússia no Ocidente. Portanto, o objetivo de neutralizar a Ucrânia é inseparável da concretização do objetivo da sua desnazificação e desmilitarização plena. Este é novamente um objetivo interdependente dos demais que não foram plenamente atingidos.
Podemos inserir metas que não foram traçadas inicialmente, mas foram alcançadas na intitulada operação militar especial na perspectiva estratégica da Federação Russa para uma compreensão das capacidades de barganha estratégica em uma negociação efetiva e resolutiva do conflito:
- A maior parte da região de Zaporozhye tornou-se parte da Rússia. Inicialmente, essa tarefa não existia (ver Acordos de Istambul). A Federação Russa está pronta para conduzir qualquer negociação somente se a inclusão de Zaporozhye na Federação Russa for levada em consideração. Alcançar esse objetivo deu origem a um novo objetivo – estabelecer o controle sobre a cidade de Zaporozhye e a parte norte da região.
- A maior parte da região de Kherson tornou-se parte da Rússia. Inicialmente, tal tarefa não existia (ver Acordos de Istambul). A Federação Russa está pronta para conduzir quaisquer negociações apenas se a inclusão da região de Kherson na Federação Russa for levada em conta. Atingir este objetivo deu origem a um novo objetivo – o retorno do controle sobre Kherson e a margem direita da região de Kherson.
- Alguma parte da região de Kharkov está sob o controle da Federação Russa. Não foram estabelecidas metas oficiais para a inclusão da região de Kharkov ou de suas partes na Rússia. No processo, o controle sobre parte do território da região de Kharkov foi perdido após a ofensiva ucraniana de agosto -novembro de 2022 a partir de Balakleya.
Se falarmos sobre a situação como um todo, podemos inferir que na avaliação do Kremlin, a Federação Russa está travando uma guerra por procuração com os Estados Unidos e a OTAN no território da Ucrânia. Não se pode desconsiderar esse detalhe. Sem os Estados Unidos e a NATO, a Ucrânia não tem as capacidades para travar uma guerra com a Federação Russa. A natureza desta guerra e a estratégia escolhida de desgaste prolongado levarão a uma maior redução da população da Ucrânia e à destruição da sua base económica e infraestrutural pelo longo prazo.
Por isso, ainda que com pausas ou tréguas, em nossa avaliação esta guerra continuará por muito tempo, porque a profundidade das contradições entre os Estados Unidos e a Federação Russa vai além da questão ucraniana e das políticas declaratórias do Trump apenas – estamos a falar do futuro da ordem mundial. Estas contradições não são apenas político-militares ou econômicas, mas também de natureza existencial no âmbito da geopolítica mundial.
Para a narrativa e filosofia que a Rússia tanto trabalhou, a sua “operação militar especial” não é um capricho, mas uma necessidade vital para sua sociedade, instituições e elites políticas. Só a concretização dos seus objetivos na Ucrânia permitirá à Federação Russa ocupar o seu lugar de direito na ordem mundial, que ainda está em formação. Os inimigos da Federação Russa, pelo contrário, perseguem o objetivo de salvar a velha ordem mundial e farão tudo para impedir que a Rússia alcance os seus objetivos. Portanto, para o Estado e para a sociedade esta é uma questão do presente e do futuro.
A probabilidade de um conflito direto entre a Federação Russa e a OTAN aumentará, juntamente com o risco (ainda que mínimo) de uma guerra nuclear. Se o mundo conseguir ultrapassar estes cenários terminais, décadas de novas disputas geopolíticas com diferentes níveis de escaladas e de guerras locais no território de terceiros países aguardam a humanidade.■
[1] Delegado de Polícia, Mestre em Segurança Pública, pesquisador e analista de Geopolítica e Conflitos Armados.
“Apesar das enormes expectativas no mundo que envolvem os resultados da reunião entre o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, e o Presidente da Federação Russa Vladimir Putin (…)”
Alguém REALMENTE tinha alguma expectativa de que sairia algum acordo minimamente sólido nessa reunião?
Não.
Rússia e EUA + UE ( Ucrânia é detalhe ) chegaram muito longe e “investiram” demais nessa guerra pra que ququer coisa que não seja uma vitória total seja aceitável.
Pra Rússia, não conseguir o que ela deseja nessa guerra significa que, em segundos, centenas de grupos separatistas em suas fronteiras deem as caras, com risco real de guerra civil, além de sair com sua imagem arranhada pra sempre, além de seus vizinhos na Ásia Central caírem no colo dos EUA.
Pros EUA, provariam que, quem tem nukes, ou um “padrinho” que tem nukes, pode fazer o que quiser, que os EUA apenas farão sanções comerciais, coisa que ficou provado que não impede ninguém de fazer guerra.
Pra UE, seria um mortal atestado de incompetência e fraqueza, por não conseguirem resolver um problema “do seu lado” contra uma “Russia falida”, imagine bater de frente contra a China, do outro lado do mundo…
Todos os “jogadores” foram muito longe pra desistirem agora, mesmo que queiram.
Prevejo mais anos de guerra, infelizmente.
Resumindo: A Rússia quer a capitulação total da Ucrânia.
Eai, daqui há uns anos eles inventam outro pretexto “russos étnicos estão sendo perseguidos em Sumy, Kharkiv e etc” rasgarão o acordo como já fizeram antes e voltarão para terminar o serviço até as fronteiras com a Polônia.