Projeto pretende mapear 1,8 milhão de km2 da Amazônia

Fotos: Armando Favaro/AE

Mergulhado até os ombros nas águas escuras do Rio Papuri, o capitão Rogério Silva desfere golpes de martelo sobre uma barra de ferro apontada para o fundo. Alguns minutos depois, está montada uma pequena plataforma fluvial, sobre a qual soldados posicionam um grande triângulo de alumínio. A posição exata da peça é registrada com um aparelho GPS de alta precisão e, por fim, o capitão informa à base que a tropa está pronta.

“Base, aqui é Onça Uno; informo Papa Três em posição; solicito vôo;”, diz o capitão pelo rádio, ainda sem sair da água.

“Positivo Onça Uno; aeronave pronta; aguardando decolagem”, responde a base. Agora, é só esperar o avião passar.

A cena se passa nas entranhas da selva amazônica, a duas horas de lancha do 1º Pelotão Especial de Fronteira do Exército, em Iauaretê, bem na garganta da Cabeça do Cachorro (norte do Amazonas), onde o Brasil parece prestes a engolir um pedaço da Colômbia. A linha imaginária da fronteira está perdida em algum lugar no meio do rio. Mesmo em época de seca, não há praias. A floresta tropical se ergue como uma muralha sólida em ambas as margens, ocupando cada centímetro de terra.

A pirâmide de alumínio que os soldados instalam dentro do rio é um refletor que será usado para aferir a acurácia geográfica das imagens de radar feitas pelos aviões do projeto Cartografia da Amazônia, um grande esforço de mapeamento de áreas remotas da floresta, lançado neste ano pelo governo federal. De volta à base, o ponto de GPS marcado no solo será comparado às coordenadas obtidas do avião, usando os refletores como ponto de referência. Para que os mapas tenham a precisão desejada, as duas coordenadas devem ser iguais, com uma margem de erro de poucos centímetros.

Os refletores precisam estar em terreno aberto para que possam ser detectados com clareza pelo radar – coisa rara em áreas de floresta densa, como o norte do Amazonas. A plataforma fluvial foi desenvolvida pelas equipes de engenharia do Exército para situações como essa, em que não há clareiras ou praias para acomodar os equipamentos. Outras opções incluem armar os refletores em pedras no meio do rio ou em clareiras já abertas por ribeirinhos. A instrução é não derrubar nenhuma árvore.

A demonstração no Rio Papuri, acompanhada pelo Estado e uma comitiva de três generais, dá uma idéia da dificuldade de mapear a Amazônia. Os refletores não podem ser deixados no campo. Por isso o deslocamento das tropas no solo precisa ser sincronizado com o plano de vôo das aeronaves, em áreas super-remotas da floresta. A logística é dificílima, até para o Exército.

“É uma verdadeira operação de guerra”, diz o diretor Marcelo Lopes, do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão federal que coordena o projeto.

A Cabeça do Cachorro foi escolhida como ponto de partida para o mapeamento, previsto para durar cinco anos. Para entender o apelido da região, basta olhar no mapa: a linha da fronteira entre o Brasil e a Colômbia navega por entre rios e paralelos da Bacia do Alto Rio Negro, formando uma figura que lembra o pescoço, as orelhas, o focinho e a boca de um cachorro. Por suas artérias fluem as águas do Rio Uaupés, do Rio Içana e do próprio Negro, conectados por um emaranhado de igarapés. Nos ombros, leva o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, e sua pele é coberta por uma das florestas mais antigas e bem preservadas da Amazônia.

Por baixo desse manto verde e rugoso, porém, pouco se sabe sobre a anatomia interna da região. A Cabeça do Cachorro fica no chamado “vazio cartográfico”, uma área de 1,8 milhão de quilômetros quadrados de floresta que nunca foi devidamente mapeada, formando um “arco de desconhecimento” que se estende do extremo oeste do Acre até o extremo norte do Amapá.

Na prática, isso significa que 35% da Amazônia brasileira (uma área maior do que os sete Estados do Sul e do Sudeste) não possui informações básicas de cartografia, como altimetria de relevo, profundidade de rios e variações de cobertura vegetal – dados cruciais para o planejamento de defesa, desenvolvimento e pesquisa da região.

No caso de uma hidrelétrica, por exemplo, os engenheiros precisam conhecer em detalhes a topografia para saber como a água vai se espalhar pelo terreno. Da mesma forma, cientistas precisam das informações mais detalhadas possíveis sobre a paisagem para desenvolver modelos ecológicos, estudar a distribuição de espécies e identificar ecossistemas vulneráveis.

“Todo mundo fala em proteger e fazer o desenvolvimento sustentável na Amazônia, mas sem conhecimento não temos como fazer isso”, diz o tenente-coronel Clovis Gaboardi, chefe da 4ª Divisão de Levantamento do Exército, em Manaus.

Os mapas produzidos pelo projeto serão os mais detalhados já feitos para a Amazônia. As tecnologias de radar utilizadas nos aviões permitem “enxergar” através das nuvens e das copas das árvores até o chão da floresta – diferentemente das imagens óticas de satélite, que só enxergam superfícies expostas e são bloqueadas por nuvens, o que impede a visualização da floresta durante longos períodos.

“Muita gente olha do alto e acha que a Amazônia é uma planície coberta de floresta. Mas não é. Por baixo das árvores, o relevo varia muito”, diz o general Armindo Fernandes, consultor técnico da empresa OrbiSat e gerente-geral do projeto. “Quem anda por lá sabe disso.”

O cientista Mario Cohn-Raft que o diga. Um experiente ornitólogo, com muitos quilômetros de selva no currículo, ele utiliza rotineiramente mapas e imagens de satélite para planejar seus trabalhos de campo. Mas se fosse só pelos mapas, ele nunca teria chegado a lugares como a Serra do Aracá: uma formação de tabuleiros e montanhas na divisa com a Venezuela, onde encontrou várias espécies diferentes.

“No Google Earth dá para ver a serra, mas no mapa, ela não aparece. É como se não existisse”, conta Cohn-Raft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. “Se fizerem mesmo esse mapeamento, será uma ferramenta fantástica.”

Fonte: Herton Escobar/OESP

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RL
RL
15 anos atrás

A ORBISAT e a AMAZONSAT possuem radares de abertura sintética para sensoriamento remoto que estão entre os mais acançados do mundo, para não dizer O MAIS avançado de todos.

Como disse o ministro de Planejamento Estratégico Mangabeira Unger, é inadimissivel o fato de dependermos de terceiros para estudarmos o nosso pais, mantermos a vigilancia de nossas fronteiras e nossas riquezas.

Esta mais do que certo esse estudo, que em minha opinião, ainda é pouco pelo fato de estar direcionada apenas a esta região em especifico porem um bom começo.

Afinal, todo este estudo será elaborado por empresas nacionais.

Invincible
Invincible
15 anos atrás

Trabalho de formiga!!!

Henrique Sousa
Henrique Sousa
15 anos atrás

Parabéns a estes homens pelo fantástico trabalho.

Infelizmente não transitam pelos corredores do poder em Brasília homens com uma fração do senso de dever com o Brasil que estes militares demonstram.

Minha profunda admiração e agradecimento.

Bravo Zulu

Walderson
Walderson
15 anos atrás

É galera,

depois vêm alguns dizerem que não sabem pra que forças armadas. Quero só ver civil fazendo isso. Claro que não é impossível, mas digamos… É quase impossível.
Um abraço a todos.

Corsario-DF
Corsario-DF
15 anos atrás

Excelente Trabalho realizado pelas FA, como disseram os colegas, muitos não vistos e pouco reconhecidos pela sociedade civil.

Parabéns aos “Combatentes” por mais esse serviço ao Estado Brasileiro.

Sds.

Cap Rogério
Cap Rogério
15 anos atrás

Este trabalho é realmente grandioso!
É a Força Terrestre mais uma vez mostrando seu valor!
Fico feliz de fazer parte dele e agradecemos os incentivos!
A Selva nos une! A Amazônia nos pertence!
Cap Rogério

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15 anos atrás

[…] mapeamento terrestre iniciou no segundo semestre do ano passado na Cabeça do Cachorro, no Amazonas. Em cinco meses, o Exército mapeou 158 mil quilômetros quadrados da Amazônia, o que […]

trackback
14 anos atrás

[…] florestal, coletando informações a partir do solo) da cartografia terrestre da Amazônia Legal, feitas na região conhecida como Cabeça do Cachorro, no Amazonas. A informação foi divulgada pelo diretor de Produtos do Sipam, Wougran Galvão, durante sua […]

LIMA FILHO
LIMA FILHO
14 anos atrás

Este trabalho é realmente grandioso!
É a Força Terrestre mais uma vez mostrando seu valor!
Fico feliz em saber que fiz parte desta força EB.
A Selva nos une! A Amazônia nos pertence!