Quem se dispuser a consultar revistas e jornais brasileiros, interessado única e exclusivamente em encontrar textos sobre o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias nas áreas de segurança e defesa, terá duas grandes surpresas.

A primeira é que, embora o assunto pareça árido e muitos acreditem que a imprensa publique poucas matérias sobre o tema, não há uma semana que passe sem um veículo registrar algo a respeito.

A segunda, pelo menos para os brasileiros, não chega a ser animadora. A razão é que, nas matérias publicadas na grande imprensa, é muito raro encontrar o nome do Brasil como um dos países que desenvolvem novas tecnologias para as áreas de segurança e defesa.

Na Espanha, por exemplo, cientistas do Centro de Tecnologia de Valência desenvolveram materiais com propriedades que podem gerar invisibilidade em dimensões reduzidas e a meta agora é testar a aplicação desses materiais em escala e superfície maiores, para emprego nas áreas de segurança e defesa.

Em outra parte no mundo, no Oriente Médio, o vice-ministro de Defesa iraniano, Ahmad Vahidi, afirmou que Teerã construiu um avião de vigilância não-tripulado com um alcance de mais de mil quilômetros.

No Brasil, contudo, as notícias envolvendo o próprio País como desenvolvedor de tecnologias mais avançadas na área de segurança e defesa são escassas.

O Brasil vem adquirindo equipamentos no exterior, como helicópteros e submarinos e está em curso uma licitação para compra de caças para a Força aérea Brasileira (FAB). Chama a atenção, ainda, o fato de que em todas essas compras o governo brasileiro exija que os países vendedores também transfiram a tecnologia empregada na fabricação desses equipamentos.

Sem dúvida que a decisão e a insistência do governo nesse sentido são louváveis, mas resta saber se surtirão efeito verdadeiramente prático e até onde serão realmente exequíveis. Tomemos como base dois exemplos:

O Brasil está adquirindo da França quatro submarinos Scorpène, juntamente com a tecnologia para fabricação do casco. Como o Brasil já detém a tecnologia para produção local do propulsor com reator nuclear, para que integremos o clube dos países fabricantes de submarinos falta apenas a expertise para fazer o casco.

O segundo exemplo é a licitação da FAB para renovar sua frota de caças, chamada de projeto FX2. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, já declarou em diferentes ocasiões que a compra dos caças está condicionada à transferência total de tecnologia e diversos especialistas também já declararam que consideram essa hipótese pouco provável de ocorrer na medida desejada pelo Brasil.

Pode parecer simplista, mas qual fabricante no mundo tem interesse em entregar todo o conhecimento adquirido durante o desenvolvimento de seu produto, para um comprador que poderá vir a se transformar em um potencial concorrente no futuro?

O Brasil já foi um grande exportador de material de segurança e defesa, chegando a ocupar a posição de nono país exportador de materiais de defesa na década de 1980, mas perdeu esta importância ao longo do tempo e hoje vive de comprar equipamentos. O momento atual mostra a importância de redirecionar os investimentos alocados para esta área, especialmente para desenvolvimento e pesquisa de novas tecnologias.

Em abril, entre os dias 14 e 17, será realizada no Rio de Janeiro a LAAD 2009 – Latin America Aerospace and Defence, maior e mais importante feira de defesa e segurança da América Latina.

O evento reúne a cada dois anos empresas brasileiras e internacionais especializadas no fornecimento de equipamentos e serviços para Forças Armadas, forças especiais e serviços de segurança. Bastará uma visita à feira para checar o que vem sendo feito pelas indústrias do setor, seja em território nacional como em outros países.

Infelizmente o desnível tecnológico existente entre o Brasil e outros países tradicionais fabricantes de materiais de defesa do mundo ainda é muito grande e assim se conservará por algum tempo.

Há necessidade, porém, que sejam tomadas medidas desde já para diminuir esta diferença e possibilitar a autonomia necessária para manutenção da soberania do País e uma maior participação do setor industrial de defesa brasileiro no concorrente mercado internacional.

FONTE: Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3

ROBERTO GUIMARÃES DE CARVALHO* – Coronel reformado, diretor da RC Consultoria de Defesa, diretor do Departamento da Indústria de Defesa da Fiesp

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Hornet
Hornet
14 anos atrás

O artigo aponta mais uma vez para o fato de que a exigência de transferência de tecnologia é uma questão chave para o Brasil começar a pensar em defesa. Sem isso, necas de pitibiribas em se tratando de Defesa com “D”. A parte que mais me interessou no END, desde o início das discussões, sempre foi essa: desenvolvimento científico-tecnológico voltado para a Defesa. Não vejo outro modo de fazer a coisa. E como estamos muito atrasados nesta parte, mas ao mesmo tempo temos massa crítica já estabelecida, então parcerias são fundamentais neste momento. Elas podem funcionar como alavanca. abraços a… Read more »

joao terba
joao terba
14 anos atrás

Hornet,concôrdo totalmente,o Brasil já tem uma parceria,está se chama França.Um abraço.

Marco
Marco
14 anos atrás

O Brasil já faz parte do seleto clube de fabricantes de submarinos. Dos 5 navios em atividade, 4 foram construídos no Brasil. A qualificação do nosso pessoal permitiu, inclusive, manutenção pesada destas unidades no AMRJ. No momento estamos avançando em uma nova direção que irá permitir a construção de submarinos movidos a energia nuclear.

Abraços a todos

Jacubão
14 anos atrás

O Brasil está atrasado em tecnologia de defesa há décadas, e os governos anteriores jogaram a pá de cal definitiva sobre as emprêsas que colocaram o Brasil em uma posição privilegiada no mundo, e que hoje é obrigado a mendingar um pouco de tecnologia com a compra de “apenas” 36 caças.
Perdemos o Osório, Charrua, Ogum, Jararaca, Tamoio, Astros III e tamtos outros equipamentos que mesmo nos dias de hoje, manteriam o Brasil em uma boa posição em termos de defesa.
Só podemos lamentar os péssimos governos que “elegemos”.

RJ
RJ
14 anos atrás

Pessoal, o diabo não é tão feio quanto lhe pintam. Ainda temos a EMBRAER, que, bem ou mal, integra sistemas no estado da arte em aviões, produz aeronaves AEW e de sensoriamento. Temos o melhor avião COIN do mundo Produzimos um sistema de foguetes de saturação respeitado no mundo lá fora Produzimos misseis anti-radiação Sabemos fabricar Fragatas e Corvetas Temos software C4I nacional e, se o governo assim encomendar, temos um corpo de engenharia de dar inveja a muitos países do mundo e podemos desenvolver qualquer tecnologia. Porém, a grande população do Brasil não sabe disso tudo que escrevi acima.… Read more »

RJ
RJ
14 anos atrás

E mais uma vez:

Transferência de tecnologia é uma via de mão dupla. Desenvolveremos sistemas para a aeronave a preços módicos, melhorando o produto para outros clientes. Tudo isso pode estar no contrato.

Resta saber qual dos concorrentes precisa transferir tecnologia para baixar custos (conheço dois dos três participantes que pensam assim)

RL
RL
14 anos atrás

Caraca.

Que o país tem muito a crescer todo mundo sabe.
Más poxa, se fizermos algo este é ruim, se não fazemos somos incapazes.

Da um tempo!!!!

João Curitiba
João Curitiba
14 anos atrás

O coronel falou ó óbvio, bem genericamente, mas não poderia ser diferente, uma vez que o artigo foi publicado num órgão de imprensa não especializado.
A solução o Hornet indicou aqui no primeiro comentário.
Acredito que o ministro Mangabeiro Unger deve estar nervoso e ansioso em ver suas idéias começarem a sair do papel. E o que não acontecer este ano, não acontecerá em 2010, uma vez que é ano de eleição presidencial. Tudo isto aliado à queda brutal da atividade econômica, com a consequente diminuição da arrecadação, nos mostra um futuro sombrio.

Marcos T.
Marcos T.
14 anos atrás

Tudo que produzimos na area militar, de alguma forma tem seu reconhecimento, vejam o caso do Osório, era uma dos melhores MBT da sua época, e era apenas um protótipo.
Já pensou oque poderiamos estar produzindo hoje se as coisas tivessem continuidade no Brasil. Com certeza já teriamos alguns Subs nucleares por aí.

Hilton Barranqueiros
Hilton Barranqueiros
14 anos atrás

Perdemos muito em matérias de defesa, por não investir nas empresas nacionais, as poucas que existiam foi sufocado pela visão americanizada de nossos governantes de comprar o que foi sucesso em conflitos passados. Automaticamente superados e caros. E com isso não desenvolvendo nossas próprias Indústrias. Com isso o Brasil agora passa de exportador de matérias de defesa para importador, clamando uma transferência de tecnologia, o que não adianta muito. Porque não temos centros de pesquisas avançadas neste ramo, começamos a caminhar vagarosamente neste sentido, mas muito ainda precisa ser feito.