Quase 80% do armamento apreendido na ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro tem origem estrangeira

Renata Mariz

De cada 10 armas apreendidas durante a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, no fim do ano passado, sete foram fabricadas fora do país. E 60% dos 289 revólveres, metralhadoras e fuzis encontrados pelos agentes são de uso restrito, tendo origem nas forças de segurança pública nacionais e internacionais. Com a marca do governo brasileiro, há no mínimo 13 armas identificadas — vindas da Polícia Militar do Rio de Janeiro, das Forças Armadas e até da Polícia Militar do Distrito Federal. A maior parte, porém, antes de chegar às mãos de criminosos eram do Exército boliviano, argentino e venezuelano. Os dados fazem parte de um relatório interno do Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ao qual o Correio teve acesso.

O documento, entregue à Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, reacende um antigo debate — em pauta desde que um homem executou, no último dia 7, 12 crianças em uma escola em Realengo, no Rio — sobre a origem das armas nas mãos de homicidas. Para o presidente em exercício da comissão, o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), as informações do relatório sobre armas apreendidas no Alemão e na Vila Cruzeiro colocam em xeque dados apresentados por entidades da sociedade civil apontando que a origem nacional dos artefatos usados por bandidos é da ordem de 80%. “Nesse microcosmo do crime organizado, vemos, por meio dos números, que são armas fabricadas lá fora, vindas dos Estados Unidos, da Venezuela, da Bolívia. Em outras situações, como a briga de bar ou de vizinhos, vemos a arma nacional mais presente. É preciso haver controle nas duas situações”, defende o parlamentar.

Sigilo

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro informou que não iria comentar os dados, alegando que se tratam de informações sigilosas. A PMDF também se comunicou por meio de nota sobre a arma oriunda da instituição — uma submetralhadora automática de calibre .45, com número de série raspado. “A arma é muito antiga e foi descarregada há muito tempo e, pelas informações que passou, pode até nem ser da PMDF. Quando as armas são consideradas inservíveis, são recolhidas e encaminhadas para o Exército Brasileiro, que as reúne e as destrói oportunamente”. Mais adiante, o órgão afirmou que, como a arma tinha a identificação raspada, “fica difícil fazer qualquer análise mais concreta”.

A preferência dos traficantes por fuzis estrangeiros é notável no relatório, representando 42% das armas apreendidas nas favelas do Rio durante a ocupação policial, seguidos pelas pistolas e pelas submetralhadoras. Só do Exército boliviano, há 13 armas. Embora em números absolutos as armas vindas de forças de segurança para a clandestinidade pareçam poucas, é preciso considerar que apenas uma minoria das 289 peças encontradas foram passíveis de identificação por parte dos peritos. Para se ter uma ideia, cerca de 80% dos artefatos têm o número de série removido ou, mesmo quando há a identificação, verifica-se que a arma nunca foi registrada — nem em nome de algum órgão oficial nem como propriedade de uma pessoa física.

Pelo menos o país de origem de quase todas foi verificado. Apenas 14% continuam sem identificação do local onde foram produzidas. Os Estados Unidos lideram o ranking de procedência dos artefatos, respondendo por 22% de tudo que foi encontrado durante a operação policial. Em seguida, vêm a Alemanha e a Áustria, com 5%. Argentina, Israel e Itália também aparecem na lista de origem das armas apreendidas. Para Melina Risso, integrante do Instituto Sou da Paz, que trabalha com o tema do desarmamento, os dados mostram uma realidade localizada. “É claro que defendemos o controle das fronteiras, das armas vindas de fora. Sabemos que é um problema. Mas temos dados de pesquisas pontuais mostrando que o problema da arma nacional é enorme também”, diz.

QGs do crime

Entre novembro e dezembro do ano passado, uma força-tarefa da Segurança Pública do Rio de Janeiro, que contou com a ajuda das Forças Armadas e da Polícia Federal, realizou a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro. As áreas eram consideradas dois dos maiores QGs do tráfico de drogas do país. Desde então, homens do Exército e da PM estão no local. A ideia é montar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no conjunto de favelas que formam o Complexo do Alemão.

FONTE: Correio Braziliense

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Ivan
Ivan
12 anos atrás

A Veja on line em outubro de 2005 já oferecia informações interessantes: “Brasil x Estados Unidos Observe, pelos números abaixo, que o que faz diferença na quantidade de crimes não é a quantidade de armas, e sim o que acontece com o assassino • Estima-se em 17 milhões o número de armas nas mãos dos brasileiros. Nos Estados Unidos, são 240 milhões de armas. Mas a taxa de homicídio por armas de fogo por grupo de 100000 habitantes no Brasil é três vezes superior à dos americanos • Aqui, uma pessoa é assassinada a cada doze minutos. São 45000 homicídios… Read more »

Marco Antônio
Marco Antônio
12 anos atrás

Retirar da população civil o direito de possuir armas de fogo para diminuir a criminalidade é o mesmo que retirar os automóveis de circulação para diminuir as mortes no trânsito. Automóvel é meio de transporte e existem regras para sua utilização (estar habilitado, não estar sob efeito de substãncias alcoólicas ou entorpecentes, etc…). Arma de fogo na mão de civil serve para defesa e existem regras rígidas para ter porte ou propriedade da mesma (habilitação psicológica, técnica e histórico de bons sntecedentes, etc….) O que sempre pergunto é: mostrem estatísticas de criminalidade com arma de fogo, em que (1) o… Read more »

Observador
Observador
12 anos atrás

Notícias como estas servem para desmascarar movimentos como o “Viva Rio” que acha que o desarmamento da população civil é a panacéia para a violência da sua cidade. É o mesmo pessoal que organiza passeata pedindo paz, vai em comunidade distribuir rosas e abraços (dá vontade de rir) e luta pela discriminação das drogas. Fazem tudo que o traficante quer. Pedir paz é pressionar a polícia e o governo a não buscar o confronto com a marginalidade; distribuir rosas e abraços na comunidade carente não resolve a ausência do poder público na vida das pessoas, mas para o tráfico é… Read more »

Observador
Observador
12 anos atrás

Caro Marco Antônio: Não caia no discurso desta gente. Nem a título de argumentação apóie o desarmamento. Os mal-intencionados e os desinformados que defendem o desarmamento alegam que o cidadão honesto acaba fornecendo as armas aos bandidos, ao ser vítima de roubo. MENTIRA. E da grossa. A verdadeira fonte de armas dos criminosos é a própria polícia e o Judiciário. Tem muito policial que prende o bandido e, se este tem duas armas, fica com uma para vender a outro malandro. O que mais tem é roubo de armas em depósitos de fóruns, delegacias e empresas de segurança privadas. Lembro… Read more »