Por JOSHUA KEATING – EDITOR ADJUNTO DA FOREIGN POLICY

Grandes problemas globais não foram discutidos nos três debates entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos:

A crise do euro.

O republicano Mitt Romney usou com frequência os problemas fiscais da Europa como exemplos negativos. No terceiro debate presidencial, em Boca Raton, Flórida, ele mencionou por duas vezes que gastos descontrolados colocaram seu país “no caminho da Grécia”, mas quem acompanhou os debates poderia chegar à conclusão que a crise europeia não tem o menor impacto nos EUA.

Como os dois candidatos sabem, num sistema financeiro cada vez mais interligado, os mercados americanos sobem e descem conforme as notícias que chegam de Bruxelas – e a crise na Europa tem sido um entrave à recuperação econômica dos EUA. O Departamento do Tesouro de Barack Obama vem exercendo pressão sobre a Alemanha para o país europeu apoiar pacotes de estímulo e afastar-se de seu compromisso anterior com a austeridade, embora os EUA não estejam dispostos a colocar seu próprio dinheiro na mesa. A chanceler alemã, Angela Merkel, parece ter recebido o recado, embora somente porque agora vê as chamas da crise começando a queimar as bordas de seu próprio país. Será que Romney teria uma abordagem diferente? Será que cada candidato tem um plano de contingência para o impacto econômico potencial de uma ruptura da zona do euro? Será que tem pensado sobre como a crise está transformando o equilíbrio de poder na União Europeia ou obrigando Estados-membros a reduzir seus orçamentos de defesa? Nos debates, não ficou claro.

Aquecimento global

Daqui a 50 anos, quando os efeitos da elevação dos níveis dos mares e das temperaturas globais mais quentes estarão sendo sentidos de maneira mais aguda, os eleitores americanos provavelmente acharão muito bizarro que os dois candidatos à presidência em 2012 conseguiram debater um total de 4,5 horas sem nem sequer mencionar as palavras “mudança climática” ou “aquecimento global”. Foi a primeira vez que esse tópico não foi discutido nos últimos 24 anos de debates presidenciais. (Candy Crowley, moderadora do segundo debate, disse mais tarde “ao pessoal todo do clima” que quis incluir uma pergunta sobre o assunto, mas ficou sem tempo. Bob Schieffer, que mediou o terceiro e último debate, disse: “Eu tinha perguntas sobre mudança climática para fazer”. Mas deixou os candidatos brigarem sobre professores e salvamento da indústria automotiva.)

Romney, que apoiou um plano de negociação de licenças para emissão de gases de efeito estufa com base em tetos de emissão estabelecidos quando era governador de Massachusetts, ultimamente tem hesitado até em admitir que há mudanças climáticas causadas pelos seres humanos. Obama, cuja promessa de 2008 de “desacelerar a elevação dos oceanos” virou motivo de chacota de republicanos, frustrou ambientalistas com a inércia de seu governo nessa questão.

Sim, houve algumas conversas sobre investimentos em energia limpa nos debates, mas os hinos de louvor à indústria do carvão foram muito mais presentes. O blogueiro David Roberts provavelmente falou por muitos ambientalistas quando tuitou durante o segundo debate: “de uma perspectiva da energia limpa/clima, esse debate foi um maldito show de horrores”. “Estamos todos condenados.”

A guerra contra as drogas

Exceto por uma breve menção de Romney ao escândalo “Fast and furious” (envolvendo uma venda ilegal de armas pelo FBI a traficantes mexicanos para apanhá-los em flagrante) durante a discussão da violência armada, não houve nenhuma discussão nos debates sobre a política americana para as drogas – um tópico com sérias implicações domésticas e internacionais.

Os EUA estão gastando perto de US$ 40 bilhões por ano na guerra contra as drogas ao mesmo tempo em que são líderes mundiais no consumo de drogas ilegais. O dinheiro gasto em iniciativas contra as drogas na América Latina pouco fez para controlar a violência ou desacelerar o fluxo de drogas para os EUA – e líderes regionais estão falando mais seriamente do que nunca sobre planos para descriminalizar o uso de drogas. A falta de discussão sobre a violência associada às drogas no México – que matou quase 50 mil pessoas desde 2006 – parece particularmente aberrante após a morte de um agente de patrulhamento da fronteira americana semana passada.

Obama tende a ironizar perguntas sobre leis sobre maconha, mas graças em grande parte às prisões relacionadas às drogas a população carcerária americana é maior do que a de qualquer outro país do planeta, incluindo a China, e 40% das prisões relacionadas a drogas nos EUA são por simples posse de maconha – um crime em que o próprio presidente esteve um dia envolvido sem efeitos perniciosos visíveis. Iniciativas pela legalização estão nas votações em três Estados neste ano. No Estado de Washington, tem boas chances de ser aprovada. Mas os debates não deram nenhuma indicação de como cada candidato responderá à questão como presidente.

Israel/Palestina

Romney mencionou que os líderes israelenses e palestinos “não mantiveram conversações por dois anos” no debate final, mas apesar de toda discussão sobre o estado das relações americano-israelenses, os debates ainda passariam a impressão de que o programa nuclear do Irã é a única questão premente que o Estado de Israel enfrenta. Obama não foi pressionado a defender os esforços vacilantes de seu governo para reiniciar as negociações entre as duas partes – e Romney não foi desafiado a definir como trataria do problema de maneira diferente ou defenderia a alegação controvertida que fez no hoje infame vídeo dos “47%”, de que “os palestinos não têm nenhum interesse em estabelecer a paz”.

Os dois candidatos podem estar pegando suas deixas do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, que em seus discursos internacionais tendeu a dar mais ênfase à questão do Irã do que à questão palestina. Mas, apesar de ambos os candidatos americanos afirmarem seu apoio – em princípio – a uma solução de dois Estados, os debates não ofereceram muita esperança de que eles fariam algo para torná-los realidade.

Tortura/Guantánamo

Particularmente em política externa, as diferenças entre os dois candidatos são com frequência mais uma questão de nuance e ênfase do que de política. Mas sobre o tratamento de suspeitos de terrorismo, as diferenças são muito nítidas – o que torna ainda mais estranho Bob Schieffer não ter abordado o assunto. Obama levantou inesperadamente o tópico do não fechamento do centro de detenção na Baía de Guantánamo por seu governo numa entrevista para Jon Stewart na semana passada: “Eu ainda quero fechar Guantánamo. Não conseguimos fazer o Congresso aprovar isso”. Romney famosamente prometeu “dobrar Guantánamo”, em 2007. Apesar de ter sido mais discreto sobre a questão nesta eleição, ele presumivelmente ainda defende manter aberto o centro de detenção.

Há também um nítido contraste sobre a questão de “técnicas aprimoradas de interrogatório”. Obama proibiu práticas não incluídas no Manual de Campo do Exército como um dos primeiros atos como presidente e se ateve a essa política mesmo quando se moveu para uma linha mais dura sobre o uso de drones e a detenção por período indeterminado. A campanha de Romney sugeriu que ele anulará a ordem – e o governador prometeu usar “técnicas aprimoradas de interrogatório que vão além das que estão nos manuais militares”. Romney não especificou a que técnicas se referia e não houve nenhuma discussão sobre detidos em nenhum dos debates.

África e Ásia não chinesa

Se os candidatos se prepararam para o debate aprendendo o nome do presidente do Usbequistão, eles não tiveram muita chance de mostrá-lo. Graças a Romney, a política comercial americana na América Latina e a crise de segurança no Mali fizeram breves aparições, com paradas ocasionais para malhar a China. A menção solitária da outra potência ascendente da Ásia – a Índia – foi como competidora por empregos. Além do terrorismo malinês, os EUA aparentemente não têm nenhum interesse na África, afora os Estados árabes costeiros. A Coreia do Norte foi mencionada uma vez por Romney, mas não discutida em detalhe. O Japão só foi mencionado por Schieffer – e mesmo assim, somente durante uma pergunta sobre Israel. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

FONTE: O Estado de S. Paulo

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