75594_538149846224699_1298911104_n

vinheta-clipping-forte1A morte de Hugo Chávez, após mais de um ano e meio de luta contra o câncer, deixa a Venezuela órfã do seu grande protagonista dos últimos 21 anos, se levarmos em conta a tentativa de golpe de 1992. Ele atropelou a velha política “das elites” e prometeu o paraíso à grande maioria de pobres de um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo e um de seus maiores exportadores. Populista, criou marcas só aparentemente inovadoras. Fez de Bolívar o grande inspirador da Revolução Bolivariana e chamou seu grandioso projeto de “socialismo do século XXI”.

Embora no velho figurino do caudilho latino-americano, ele acumulou poder a partir de uma nova e sibilina estratégia: usar as instituições democráticas para corroer a própria democracia. O chavismo é um regime autocrata que mantém aparências democráticas, enquanto funciona na prática como uma ditadura “constitucional”. Para isso, fez intervenções arbitrárias, como expurgos e nomeações no Judiciário, para domesticá-lo, e alterações na distribuição dos colégios eleitorais para que a oposição, mesmo com mais votos, não conquistasse a maioria das cadeiras no Legislativo. Neste sentido, faz lembrar a ditadura militar brasileira, em que havia troca de generais na presidência, mas sem qualquer possibilidade de ocorrer alternância de forças políticas no poder, como numa democracia de fato.

As instituições republicanas venezuelanas foram destroçadas pelo chavismo. A oposição, vítima de erros como o boicote às eleições de 2006, teve um bom momento nas eleições de outubro de 2012, quando Henrique Capriles obteve 45% dos votos, embora insuficientes para evitar nova vitória chavista.

O grande problema de regimes assim, autorreferenciados e personalistas, é justamente quando o chefe morre e entra em pauta a inevitável sucessão. O tratamento dispensado pela liderança chavista à doença do caudilho, confirmada em 10 de junho de 2011 pelo então chanceler Nicolás Maduro como um “abcesso pélvico”, assemelha-se ao que se passava na antiga URSS, quando o chefe do Partido Comunista tinha problemas de saúde. Caía uma “cortina de ferro” entre o enfermo e o resto do mundo, que dele só sabia através de comunicados oficiais que quase nada diziam.

O mesmo segredo cercou a volta de Chávez à Venezuela, na madrugada do dia 18 de fevereiro, após uma internação de 70 dias em Havana para a quarta cirurgia. O presidente anunciou o retorno pelo twitter e foi internado num hospital militar sob tanto mistério que muitos chegaram a duvidar de sua presença em solo venezuelano.

Foi essencial para seu projeto de poder o colchão de petrodólares inflado com a disparada do preço do hidrocarboneto. Quando assumiu de fato o poder, há 14 anos, o barril custava cerca de US$ 25. Nos últimos anos, mantém-se ao redor dos US$ 100. Com isto, pôde lançar um dos maiores projetos assistencialistas do mundo, com programas nas áreas de saúde, educação, habitação e transferência de renda, que de fato reduziram a pobreza, mas ficaram a dever na melhoria da qualidade de vida, além de ser apenas uma forma de assistencialismo demagógico, sem sustentação a longo prazo. Prova disto é que a insegurança se tornou a maior causa de preocupação popular, e a capital, Caracas, uma das cidades mais violentas do mundo. Mas o assistencialismo assegurou-lhe imensa popularidade.

Os petrodólares permitiram-lhe, também, a projeção externa de seu projeto. A partir da visão míope, maniqueísta, de que o mundo é dividido entre o “império” (os EUA) e os demais países, ele comandou uma frente antiamericana anacrônica, tendo como modelo Cuba, e discípulos, Bolívia, Equador, Nicarágua, além de influenciar a Argentina kirchnerista. Teve a amizade do Brasil lulopetista, da Rússia, do Irã. E a simpatia de Dilma Rousseff, essencial para sua entrada no Mercosul numa manobra conduzida por Brasília em associação com a Casa Rosada. Nunca deixou, porém, de vender petróleo ao “império”, além de abastecer Cuba em condições camaradas.

O “novo” socialismo não dispensa conceitos ultrapassados. O chavismo produziu uma estatização em massa das empresas venezuelanas, com resultados desastrosos na produtividade, estímulo à fuga de investimentos estrangeiros e recursos dos próprios venezuelanos para o exterior. A economia passou a depender ainda mais do petróleo. A estatal PDVSA foi transformada em cabide de empregos, além de funcionar como caixa dos projetos do governo. Descapitalizou-se, e a produção despencou. Os desequilíbrios na economia produziram alta inflação, de 23,2% em 2012, segundo o FMI, que projeta 28,8% para este ano. O recurso ao controle de preços levou ao desabastecimento. A infraestrutura sofre com a falta de investimentos e a população, com os frequentes apagões.

Uma das piores heranças do caudilho, ao lado da supressão da liberdade de expressão, é uma economia em frangalhos. Ele ainda se encontrava internado em Havana quando a Venezuela executou sua décima desvalorização cambial desde 1983, uma década antes do chavismo, de pouco mais de 30%. Apenas no período de Chávez as desvalorizações somaram 992%.

O governo fez o possível a fim de retardar mais esta alteração cambial, empurrá-la para o mais distante possível do período eleitoral, de que Chávez saiu vitorioso, com mais um mandato. Explica-se: a cada desvalorização da moeda nacional, o “bolívar forte”, adjetivo irônico, as importações ficam mais caras. E como o país é importador maciço de quase tudo – graças à desarticulação do parque produtivo causada pelas expropriações chavistas de empresas privadas – o impacto na inflação não seria desprezível. E não será.

Mas a desvalorização ajuda as desequilibradas contas públicas, pois aumenta a arrecadação de impostos que incidem sobre o petróleo, cujo preço sobe na moeda nacional. A contrapartida, entretanto, é a inflação, também alimentada pela gastança desenfreada para facilitar a reeleição do caudilho, em outubro: as despesas públicas subiram 52% e a emissão total, 62%. Todos são ingredientes infalíveis no estímulo à alta dos preços. Algo como jogar um fósforo aceso no palheiro.

O que será do chavismo sem Chávez e no aguçamento da crise econômica? Não se pode descartar uma luta pelo seu espólio entre os mais próximos seguidores, como o vice-presidente Nicolás Maduro e Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional e ex-companheiro de armas do ditador. Para adiar o desfecho, Maduro e Cabello, ouvido o governo cubano, fizeram letra morta da Constituição, que marcava a nova posse de Chávez para 10 de janeiro. O argumento era de que, entubado ou não, ele continuava governando. Mas, sempre que um autocrata morre, o regime que o representa paga um preço: faltam instituições democráticas que patrocinem a sucessão de forma natural, sem turbulências. Qual será o custo de tudo isso ainda se saberá.

FONTE: O Globo via Resenha do Exército

Subscribe
Notify of
guest

15 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments
Marcos
Marcos
11 anos atrás

A certa altura do texto, achei que estavam falando do Brasil.

Billy
Billy
11 anos atrás

Os esquadrões de F-35 A e F-18 E já podem ser realocados.R.I.P.

Marcos
Marcos
11 anos atrás

Chávez, ao invés de governar para o povo, governou para si mesmo. Por aqui, o Apedeuta tentou a mesma coisa: algumas coisas funcionaram, outras não.

Giordani
Giordani
11 anos atrás

Texto muito bem elaborado, mas infelizmente, a sensação de que se estava abordando o brazil é assustador…

Marco
Marco
11 anos atrás

Comparar os tempos em que os generais foram presidentes do Brasil com o tempo que um homem só, ditador com controle total do Executivo, Legislativo e Judiciário “comandou” um país me parece forte. No Brasil havia um projeto para o país. Na Venezuela um projeto de poder pelo poder.

Paulinho Itamonte
Paulinho Itamonte
11 anos atrás

Nunca gostei de Chaves mas confesso que fiquei comovido com a sua morte. Cancer é triste demais. De resto, como foi dito pelos amigos acima faz lembrar mesmo o Brasil. A diferença é que aqui tem democracia, meio capenga mas tem. Lá, era tudo armado para Chaves se manter no poder para sempre. Aqui pelo menos se tem alternativas, poucas boas mas tem. Aqui basta o povão se educar, ficar mais esperto e consciente (vulgo largar de ser burro) e com o voto se muda tudo como da água para o vinho. Lá, isso era impossível. Espero que a Venezuela… Read more »

Gilberto Rezende
Gilberto Rezende
11 anos atrás

Texto muito bem elaborado explicando as teses da DIREITA. A democracia venezuelana foi destruída nos 40 anos antes de Chávez num CONTÍNUO domínio de uma elite conservadora que excluía a maioria da sua população que se não foi levada ao paraíso pelo chavismo se SENTIA como se assim estivesse tal o nível de carência anterior desta população. A verdade que a arrogância suprema da oposição venezuelana em 2006 boicotado a eleição deu um mandato absoluto ao chavismo que o PT brasileiro nunca desfrutou. Chamá-lo de ditador quando foram eles que saíram da disputa e fizeram um congresso de correligionários é… Read more »

Ray
Ray
11 anos atrás

interessante… se investe em defesa como o Hugo Chavez e um louco e e nao tem pena da população
mas vejo aqui as pessoas julgando a presidenta pq nao compra meia duzia de caças.
interessante como a reportagem da TV record ontem sobre a vida do Hugo é totalmente diferente do que eu vejo aqui as pessoas comentar

Ribeiro
Ribeiro
11 anos atrás

O que mais me preocupa nesta história toda é a lacuna deixada… Durante muito tempo ele e a Venezuela foram a ficha 1 na AL como alvo das necessidades econômicas americanas (sempre lembro dos desenhos do GIjoe, que defendiam o nosso petróleo no mundo) … se não for Chaves e a Venezuela, quem será… O problema é que mesmo que mude o nosso governo, não seremos nunca um parceiro econômico de primeira linha dos americanos… somos países semelhantes neste sentido (extração mineral, produção agropecuária, etc) e comercialmente sempre seremos mais concorrentes do que parceiros… Mesmo o FHC, que não era… Read more »

Ribeiro
Ribeiro
11 anos atrás

Em tempo… o FHC era muito mais alinhado…

Ricardo
Ricardo
11 anos atrás

Quem tem que gostar ou não do Chávez são os venezuelanos, quando ao Brasil desde que ele assumiu os empresários brasileiros encheram os bolsos de dinheiro, comércio com o Brasil de multiplicou por 10 e largamente a nosso favor.

Rodrigo
Rodrigo
11 anos atrás

Caro Gilberto..

_________________

IANKEES, elite, DIREITA..

Para véio..

Vai para o CAVOK, lá tem público para este discurso infantil de grêmio estudantil.

Bolivarianismo, vai tarde..

Chavez idem e se Deus quiser e for mesmo brasileiro o Lulla e o Fidel vão logo atrás.

Viva o mundo livre!

Viva quem cresce por mérito!

Fora paternalismo e tutela!

O povo não precisa de pai, mãe, tio e nem do Espírito Santo!

Precisa é de educação.

EDITADO: ASSUNTO FORA DO TÓPICO

F - 5
F - 5
11 anos atrás

É estranho ainda ouvir este discurso de direita e esquerda.
É estranho ver alguns hostilizados por pensarem diferente dos tradicionais frequentadores do site.
Pensar diferente faz parte da democracia.
Responder por suas opiniões também.
Parece que ser de esquerda é um crime.
Não, não acredito nisso.
Esse site é um espaço fundamental de discussão de assuntos militares, mas não podemos deixar que o fato de pensarmos diferentes atrapalhe ou faça com que as discussões sejam ríspidas.
É isso…

Requena
Requena
11 anos atrás

Texto muito bom.

Observador
Observador
11 anos atrás

Gilberto Rezende disse: 6 de março de 2013 às 15:39 Incrível como a ignorância somada ao voluntarismo conseguem colocar uma pessoa em uma posição ridícula e indefensável. Quando a verdade incomoda, vira “tese de direita”. É de rir. Mas numa coisa você tem razão Gilberto. As instituições venezuelanas não eram grande coisa antes de Chávez, como aliás eram as instituições da maioria dos países sul-americanos quando ele assumiu o Poder. Mas, depois que ele assumiu o Poder, passaram a ser ocupadas por uma malta de interesseiros, bandidos e puxa-sacos, sempre dispostos a apoiar, justificar e, se preciso, acobertar as lambanças… Read more »