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CHRISTOPHER R., HILL, PROJECT SYNDICATE – O Estado de S.Paulo

O presidente americano Barack Obama fez bem em dispensar a reunião da Cooperação Econômica Ásia- Pacífico (Apec) em Bali, na Indonésia, preferindo se concentrar no enfrentamento das patologias políticas do Congresso americano. Mas sua decisão, embora correta, teve o efeito de reviver uma refrão cada vez mais comum na região do Leste Asiático: “Que fim levou o pivô?”

Concebido como um deslocamento, há muito necessário, de atenção e recursos de guerras e outros desafios urgentes do Oriente Médio para a vastidão de oportunidades na região da Ásia-Pacífico, o alardeado “pivô estratégico” meteu os EUA numa enrascada de consequências inesperadas (resultantes de uma política inconsistente e mal articulada).

Para começar, existe uma percepção de que a retirada de tropas americanas do Iraque e do Afeganistão significou uma redução do interesse americano no Oriente Médio. Surgido às vésperas da cataclísmica Primavera Árabe, o governo Obama enfrentou as consequências inesperadas do pivô desde então. Quem quer que tenha imaginado a expressão “liderando da retaguarda” só contribuiu para agravar o problema.

Em segundo lugar, muitos europeus compreenderam o pivô para a Ásia como uma redução do comprometimento dos EUA com a aliança atlântica. Apesar de vários países europeus terem se saído relativamente bem em termos de manter consultas e acordos com os EUA, líderes europeus têm observado com crescente preocupação o enfraquecimento da estrutura de segurança no pós-guerra.

Evidentemente, os europeus contribuíram para essa dinâmica: basta observar sua própria pressa em se retirar da missão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Afeganistão. Mas o sentimento aumentado de deriva das estruturas euro-atlânticas, alimentado principalmente pela crise financeira da Europa e a prolongada disputa política nos EUA, deixa pouca margem para otimismo.

Finalmente, os esforços para explicar o objetivo do pivô – a afirmação americana de que a Ásia está agora no centro da economia mundial – falharam desde o começo. Os chineses acreditaram que a finalidade geral era confrontar e conter a ascensão geopolítica de seu país. E quem poderia culpá-los, dado o estardalhaço dos pronunciamentos políticos americanos manifestando temores sobre a China? Aliás, nas semanas que se seguiram ao anúncio inicial do pivô (que ocorreu justamente quando a campanha eleitoral americana de 2012 estava começando), a crítica à China por autoridades americanas se intensificou. Uma extensão perfeitamente normal do acordo de segurança EUA-Filipinas se transformou numa ocasião para lamentar as pretensões da China ao que a ex-secretária de Estados Hillary Clinton chamou de “Mar Filipino Ocidental”.

Neste ambiente, os chineses perceberam uma decisão de rotina de enviar Fuzileiros Navais americanos para treinar na Austrália como outro elo na cadeia para conter a China. Até a abertura de Mianmar foi vista na imprensa como uma medida para conter a influência chinesa naquele país rico em recursos naturais. Pouco depois desses episódios, o Departamento de Defesa americano anunciou que começaria a realocar forças americanas para o Pacífico ocidental, concentrando ainda mais a atenção da China. Da mesma maneira, a Parceria Trans-Pacífica, um proposto mega-acordo de livre comércio regional do qual a China foi até agora excluída – alimentou temores em Pequim sobre as intenções americanas.

Responsabilidades. A China tem sua parte da culpa: basta ver a abordagem de mão pesada com seus vizinhos asiáticos na promoção de suas pretensões territoriais nos mares da região. E, apesar de os sinais crescentes de impaciência chinesa com a Coreia do Norte terem sido bem recebidos como um arauto de uma eventual guinada política, isso não foi suficiente para evitar esforços americanos para aumentar a cooperação militar com a Coreia do Sul e o Japão.

Talvez a China não precise fazer nada para haver uma nova mudança na política americana. Desde a reeleição de Obama, parece ter havido um pivô para afastar do pivô, para algo que pode ser descrito apenas como retrocesso. O esforço do secretário de Estado John Kerry para reiniciar o processo de paz árabe-israelense foi uma iniciativa louvável. Mas, se a Primavera Árabe ensinou alguma coisa, é que as verdadeiras linhas divisórias no Oriente Médio têm pouco a ver com Israel e muito a ver com o aprofundamento da divisão entre secularismo e islamismo no mundo árabe e a crescente luta sectária entre xiitas e sunitas. Israel é uma pequena parte desse padrão geral.

Mais recentemente, houve uma cooperação, movida pelos fatos, entre os EUA e a Rússia, em busca do encerramento da guerra civil na Síria, depois de um ataque com armas químicas que deixou pelo menos 1.400 mortos. Tudo isso levanta uma questão fundamental: será que os EUA realmente precisam de um plano global para sua política externa? Se o resultado é torná-la menos confiável e previsível – ou, pior, suscetível de mal-entendidos – então certamente que não.

A nova ordem mundial cedeu lugar a um mundo sem ordem, em que confiabilidade e previsibilidade deram espaço a mudanças rápidas de foco e compromissos instáveis. Infelizmente, esse estado de coisas parece estar emanando, não de países em crise, mas dos próprios EUA.

Agora que Obama parece ter um breve alívio de seus problemas domésticos, poderia ser o momento oportuno para estabelecer prioridades de política externa para os EUA e explicar como pretende empreendê-las. O pivô para a Ásia seria sustentável? Quais são os objetivos dos EUA no Oriente Médio? Os EUA seriam uma espécie de ONG provocadora, pregando a amigos e detratores para não serem mais como os americanos? O que exatamente os EUA estão tentando conseguir com a Rússia? Será que poderão identificar maneiras de cooperar com este Estado difícil e não democrático, para tratar de questões de interesse mútuo? Já é hora de uma vista panorâmica de Obama. Seu governo ainda tem três anos pela frente, e o mundo está esperando e observando, francamente, curioso. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

EX-SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DOS EUA PARA O LESTE ASIÁTICO, É REITOR DA ESCOLA DE ESTUDOS INTERNACIONAIS KORBEL, NA UNIVERSIDADE DE DENVER

FONTE: O Estado de S. Paulo

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Wagner
Wagner
10 anos atrás

É estranha essa vigilancia no maior credor deles mesmos…

Eu gosto do Obama, mas vejo ele cada vez mais confuso e vitima de situações que nem ele criou, mas tem que administrar…

é igual a quando ele falou que ia atacar a Síria : ele estava hesitante, triste, confuso.

Mas os maiores inimigos de Obama jamais serão chineses ou russos ou persas : são os Republicanos. Estes sim são o EVIL da humanidade.