Desde o colapso da URSS, Washington estava muito preocupado com os arsenais nucleares que Ucrânia, Bielo-Rússia e Cazaquistão herdaram como resultado da liquidação da União Soviética. A destruição dessas armas nas jovens repúblicas que se separaram da Rússia e não era mais coberta pelos antigos acordos internacionais firmados com os soviéticos, e tornou-se uma prioridade de política externa para os recém-criados estados independentes. Moscou também estava interessada em despojar seus novos vizinhos de seu status de “potência nuclear”.

Bill Clinton, que se tornou presidente dos Estados Unidos em 1993, e Boris Yeltsin na Rússia fizeram promessas e declarações sobre “incentivos econômicos” e um clima político favorável no mundo para a que Ucrânia concordasse em devolver seus mísseis e ogivas à Federação Russa de Yeltsin.

Washington também fez pressão política. Em particular, a visita oficial de Clinton a Kiev para se encontrar com o presidente ucraniano Kravchuk foi cancelada. Sob pressão das duas superpotências, tanto Belarus como Cazaquistão entregaram suas armas nucleares em 1992. A Ucrânia ainda resistiu, principalmente sob pressão dos líderes do Movimento do Povo Ucraniano representado por Vyacheslav Chornovil, que exortou o presidente Kravchuk a não abandoná-los. Foi Chornovil quem expressou seus temores sobre a ameaça representada pela Rússia, exigindo garantias de segurança da comunidade internacional. Essas garantias foram dadas em 1994. Em 5 de dezembro, um Memorando sobre Garantias de Segurança em conexão com a adesão da Ucrânia ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear foi assinado durante uma cúpula em Budapeste. A Ucrânia prometeu aderir a três princípios não nucleares: não receber, não produzir ou adquirir armas nucleares.

Posteriormente, França, Canadá e China também assinaram o tratado, e a Ucrânia, além de se oferecer para mediar negociações de segurança com a Rússia, recebeu um convite de nações europeias e dos Estados Unidos para participar do programa Parceria para a Paz e iniciar a cooperação com a OTAN. Nada mais parecia ameaçar a segurança da Ucrânia, pois sua soberania e integridade territorial estavam seguramente asseguradas pela comunidade internacional.

Em 2009, após a invasão da Geórgia pelas tropas russas que se seguiu em 2008, o ex-Secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Volodymyr Horbulin, pediu uma revisão do Memorando de Budapeste por não ter correspondido às expectativas e convocar uma conferência internacional para “iniciar o processo de desmilitarização do Mar Negro”.

Hoje em dia está claro como Horbulin estava certo e quão relevante era sua proposta. Ele queria um conferência para incluir não apenas os Estados garantidores, mas também outras grandes potências mundiais, como a Alemanha. Em 2014 a Crimeia foi ocupada pela Rússia, um dos Estados fiadores do Memorando de Budapeste.

Oleg Kalugin – ex-chefe da secção da contraespionagem da KGB

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Gilson Elano
Gilson Elano
13 dias atrás

Potências tem interesses, amizades a parte.
Se a Ucrânia tivesse encontrado uma forma de manter um mínimo arsenal nuclear, hoje não estaria sendo vítima do latrocida russo.
Não concordo plenamente com a política de proliferação de armas nucleares, mas se o país puder desenvolvê-la, desenvolva, mesmo que seja uma pequena quantidade.
Fica lição para o Brasil, pois cedo ou tarde, os aquiferos aqui existentes, serão as cerejas só bolo.

Andre
Reply to  Gilson Elano
13 dias atrás

Já foi a amazônia, já foram os minerais, agora o aquifero.

Estamos vendo a Rússia passando um sufoco logístico a pouco mais de 100km de suas fronteiras e nos estamos a um ou dois oceanos de distância de quem poderia querer dominar nossos recursos naturais.

A geográfica sozinha não é suficiente mas tem um poder de dissuação muito grande. Hoje apenas 1 país teria capacidade logística de invadir e ocupar o Brasil. Daqui uns 20 anos, talvez dois.n

Ildo
Ildo
13 dias atrás

Foi a Geórgia que invadiu a Abkásia e a Ossétia do Sul violando os termos do cessar fogo dos anos 1990; a Rússia interveio de acordo com esses protocolos;

Os EUA/OTAN que violaram todos os acordos com a Rússia ao expandirem a OTAN para o leste;

Os EUA/OTAN que a partir de 2014 implantaram um governo totalmente hostil a Rússia e aos oblasts russófilos com o Euromaidan;

A Ucrânia que anunciou em fevereiro de 2022 que violaria o Memorando de Budapest ao declarar que iria desenvolver um programar nuclear militar; aliás, um das razões principais da Operação Russa…

Last edited 13 dias atrás by Ildo
Gilmar
Gilmar
Reply to  Ildo
13 dias atrás

Pois é Ildo.
Às vezes eles esquecem estes detalhes. Ou talvez preferem não citá-los.
E nem lembram mais que EUA invadiu e provocou a morte de Saddan Hussein dizendo que o Iraque tinha armas de destruição em massa, quando na verdade queriam eram as reservas de petróleo do país.

Leandro Costa
Leandro Costa
Reply to  Ildo
13 dias atrás

Não vale mencionar história de universos paralelos. Só serve o desse aqui, tá?

Ildo
Ildo
Reply to  Leandro Costa
12 dias atrás

Se é “universo paralelo” então desconstrua…

Heinz
Heinz
Reply to  Ildo
12 dias atrás

A Rússia rasgou os acordos de Minsk e o memorando de Budapeste, como confiar num país que invade seus vizinhos quando quer?
Foi um erro fatal de Ucrânia devolver suas armas nucleares.

Ildo
Ildo
Reply to  Heinz
12 dias atrás

A Rússia? Então desminta a ex-chanceler alemã Angela Merkel que em entrevistas ao Der Spiegel e Die Zeit admitiu que o Acordo de Minsk de 2014, do qual a Alemanha era uma das fiadoras, serviu apenas para os EUA/OTAN rearmarem a Ucrânia: https://www.zeit.de/zustimmung?url=https%3A%2F%2Fwww.zeit.de%2F2022%2F51%2Fangela-merkel-russland-fluechtlingskrise-bundeskanzler https://www.reuters.com/world/putin-russia-may-have-make-ukraine-deal-one-day-partners-cheated-past-2022-12-09/ Agência “russa” Reuters. https://www.youtube.com/watch?v=LQ8n3aJegGI Com legendas em inglês. Também desminta Francois Hollande, da outra fiadora ocidental, França, que confirmou o que Merkel declarou em entrevista ao Kyiv Independent: https://kyivindependent.com/national/hollande-there-will-only-be-a-way-out-of-the-conflict-when-russia-fails-on-the-ground … Esse é o ocidente que a Rússia pode “confiar”? Usaram o Acordo de Minsk, nunca respeitado por Kiev, apenas para rearmar a Ucrânia. Armas ocidentais inclusive… Read more »

Victor Filipe
Victor Filipe
Reply to  Ildo
12 dias atrás

“Os EUA/OTAN que violaram todos os acordos com a Rússia ao expandirem a OTAN para o leste;” Se esse acordo foi assinado, deve existir algum documento dele, pode mandar o link do PDF online aqui? Ou alguma fonte desse acordo formal com as assinaturas dos responsáveis por ele? Porque até onde eu sei, esse tal “acordo” nunca existiu, é só uma invenção dos apoiadores da Rússia. Oque existiu foi um consenso verbal onde a OTAN não iria convidar países do Leste europeu para entrar na organização (ela não iria convidar, mas o países poderiam requisitar entrada) e a Rússia não… Read more »

Ildo
Ildo
Reply to  Victor Filipe
12 dias atrás

O acordo foi verbal; todo mundo sabe disso. Mas com Gorbachov não se esperava menos…

Foi por isso que a URSS/Rússia concordaram com a reunificação alemã.

O que os EUA/Europa fizeram com um Rússia de joelhos nos anos 1990? Apoiaram plenamente um neoliberalismo de choque de ultra traição ao país e começaram a expanção da OTAN para o leste no governo Bill Clinton.

O objetivo dos EUA era desmenbrar e saquear a Rússia de acordo com o plano de neocons e Zbigniew Brzezinski…
Deram azar que um nacionalista “old school” assumiu o governo russo em 2000…

História e geopolítica.

Lucena
13 dias atrás

A Libia no tempo de Kafaf … fez o mesmo rerro em ouvir canto das sereias…entregou as armas químicas… a OTAN aproveitou a ocasião.