O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil após a viagem ao Chile, onde compareceu à reunião do Conselho Sul-Americano de Defesa. Leia alguns trechos abaixo.

Gazeta MercantilE como anda a implantação da Estratégia Nacional de Defesa? Como o ministério pretende administrar a insatisfação que alguns generais demonstraram em relação a algumas diretrizes?

O general que declarou insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou. O negócio da estratégia foi o seguinte: Eu disse ao presidente que nós tínhamos um problema político, sério, e eu queria saber se ele queria enfrentar ou não. Quando houve a transição do governo militar para o governo civil, leia-se governo Sarney, nós começamos o processo de transição do regime militar. E o processo de transição do regime militar tem características como o afastamento progressivo de militares das decisões políticas, redução da participação dos militares na administração pública, desaparecer do poder de veto dos militares às decisões políticas. Em 1988, quando fizemos a Constituição, quem quisesse falar em Defesa era mal visto, porque estava no nosso imaginário, inclusive no meu, de que mexer com Defesa era mexer em perseguição política, repressão. O que aconteceu? Durante esse período, tudo que dizia respeito à questão de defesa ficou absolvido pelos militares, porque o espaço estava lá. E havia a necessidade de fazermos com que a defesa fosse tema civil e que nós, do governo democrático, assumíssemos a tarefa. É o processo de consolidação da transição democrática. O que significava uma redução da autonomia militar. Comecei fazendo alguns gestos para deixar claro que os civis começavam a ocupar os espaços que eles não tinham ocupado, que são espaços de civis, que é a formulação da política de defesa. A execução da política de defesa, e as probabilidades estratégicas das decisões do governo democrático, era função militar. Mas eles estavam fazendo a outra coisa também.

Gazeta MercantilNo plano externo, existe uma preocupação com outro tema polêmico da estratégia, que é a questão de vetar qualquer acordo novo de não-proliferação nuclear? Existe algum receio de retaliação da comunidade internacional?

O Brasil assinou o tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, mas nós temos toda a tecnologia. E aí surgiu o seguinte problema: nós precisamos da energia nuclear para a Marinha, porque nós temos 4,5 milhões de quilômetros quadrados para tratar. O submarino convencional é um submarino que tem autonomia e velocidade muito menor, ao passo que a turbina do submarino nuclear é muito mais silenciosa e muito mais rápida. Então se decidiu a linha do submarino. Paralelamente, vem a nós o protocolo adicional. Aí já foi uma decisão presidencial. Houve uma discussão com o presidente no Palácio sobre isso. O Ministério das Relações Exteriores foi resistente em relação a isso e o Ministério da Defesa afirmando a necessidade de nós não admitirmos o protocolo adicional, porque inviabilizava o Brasil na pesquisa da tecnologia nuclear. E nós precisávamos da tecnologia nuclear. Para a defesa, que é o submarino, e para a produção de energia elétrica. Vamos ter, evidentemente, problemas. Mas isso faz parte do jogo. Agora quero lembrar o seguinte: a Índia não participou do Tratado de Não-Proliferação e teve tratamento diferenciado. E se desenvolveu. Israel também… Todos. Então, por isso, houve uma decisão política do presidente: não vamos assinar.

Gazeta Mercantil E como fica a questão financeira em meio à crise?

Aí que está o ponto, que era a grande distorção ou a forma de impedir que você acessasse o tema. Não adianta fazer nada porque não teremos dinheiro. Logo, não faz nada. Ou é uma ideia equivocada ou é uma forma de linguagem para evitar que se enfrente o assunto. Outra coisa: os equipamentos não são os equipamentos que antigamente se dizia que os militares queriam ter. São equipamentos que decorrem da necessidade do poder civil, das tarefas a serem desenvolvidas. Aí surgem os dois pontos da manifestação desses militares que estão indo embora, felizmente, que são a questão da Secretaria de Compras. O que encontrei aqui? Encontrei cada força com estruturas de compras muito competentes, mas a decisão da compra era deles. Isso não é decisão para militar, é decisão para civil. A estratégia prevê um aumento razoável nos gastos de Defesa.

Gazeta Mercantil Como fazer para convencer os governantes e a própria sociedade da importância destes custos?

Tornando a defesa alvo da agenda nacional. Se você observar a última pesquisa que foi feita, as Forças Armadas tem 84% de prestígio com a sociedade. Existe uma pressão de alguns setores do governo, principalmente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e de organismos internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, para que o Brasil siga o exemplo recente de outros países, como a Argentina e o Uruguai, no sentido de liberar os arquivos relacionados ao período da ditadura militar e parar de utilizar a lei de anistia como mecanismo que impeça a responsabilização legal de agentes da repressão que praticaram tortura.

Gazeta MercantilSe tem que ser feito um tratado internacional e ele conflita com a Constituição e com o sistema legal, ele não vale no Brasil. Por que?

Porque o tratado sempre foi um ajuste do Executivo, sem a participação do Legislativo. E aí começa o Poder Executivo a resolver os problemas via tratados. O ministério não teria objeções, então, por exemplo, a novas expedições com o intuito de encontrar ossadas de guerrilheiros no Araguaia…Problema nenhum. Aliás, já fizemos 18. Aqueles que ficaram na mata desaparecem, você não tem mais como localizar, pela mudança de características dos locais. Agora, uma coisa é certa: em relação à anistia,esse assunto está na mão do Supremo. O Supremo vai decidir se é possível ou não o revisionismo do acordo político de 1979, via uma reinterpretação da Constituição, mas nossa posição é de que não compete a nós fazer isso. Uma das tradições equivocadas nossa é achar que a gente vai construir o futuro retaliando o passado. A gente queima uma energia brutal na retaliação do passado e não constrói nada para o futuro. O que a gente tem que fazer é tentar aproximar o futuro do presente e não trazer o passado para o presente.

Gazeta Mercantil Existe a pretensão do ministério de ampliar a participação dos batalhões de engenharia do Exército em obras do PAC?

Quem está querendo é o presidente. Os batalhões de engenharia estão servindo como referência de mercado.

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DaGuerra
DaGuerra
15 anos atrás

Que piada! O sujeito é um congressista, com formação em áreas do direito, experiente, legislando sobre um Constituição Federal, e mete essa que em seu “imaginário” a defesa de uma nação seria algo a deixar-se de lado por uma eventual conexão com o que ele chama de perseguição política!?!? Ora, faça o favor, não escarneça sobre as FFAA do Brasil! Anos depois, o … ainda é indicado para ministro da defesa. Só podia ser no desgoverno do … do LULA!

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Wilson Johann
Wilson Johann
15 anos atrás

Nós temos é que denunciar o acordo de não-proliferação de armas nucleares e partimos, urgentemente, para o desenvolvimento de nossas próprias armas. Enquanto não tivermos nossa “bomba”, sofreremos todo tipo de pressão, até essas para asinarmos acordos e mais acordos contra o desenvolvimento de tais armas. Mas no dia em anunciarmos que possuímos uma bomba nuclear, todas as pressões param e passamos a ser tratados como iguais, como potência militar. Basta ver o tratamento que os EUA dão aos franceses, ingleses, israelenses, indianos, paquistaneses e outros.
De tratados para abolir armas nucleares eles não querem nem ouvir falar.

Abraços!!

Hornet
Hornet
15 anos atrás

No caso das armas nucleares eu fecho questão com o que pensa o Mangabeira a respeito disso: “ter ou não ter armas nucleares é uma decisão da sociedade brasileira, mas temos que ter a capacidade para produzí-las”.

abraços a todos

Marine
Marine
15 anos atrás

Sei que provavelmente vou surpreender alguns aqui….hehehehe. Mas na minha opiniao pessoal nao sou contra o Brasil possuir tal capacidade nuclear.

Tenho completa confianca no pais e sociedade e da responsabilidade que teriam com tais artefatos. Afinal o Brasil nao e um Ira ou Coreia do Norte!

So espero que se o dia chegar em que tal decisao seja tomada as normas de seguranca sejam levadas em conta com relacao ao meio ambiente, estocagem e contabilidade de tal capacidade para evitar que caiam em maos menos responsaveis…

Sds!

Illimani
15 anos atrás

Posso estar equivocado, mas parece que alguns comentadores têm na questão de desenvolvimento de ogivas nucleares pelo Brasil algo que estaria estritamente no âmbito da potencialidade de dissuasão de incursões hostis estrangeiras quanto ao nosso país, e são citados casos como o indiano e o israelense. Vamos ficar no caso indiano que é mais próximo ao nosso: o país sofreu sanções grandes no passado em função do desenvolvimento do seu programa nuclear, mas foi galgando uma certa condescendência dos países da OTAN por razões que eu considero geopolíticas: é um país tensionado com o Paquistão (um país islâmico internamente extremamente… Read more »

Virtualxi
Virtualxi
15 anos atrás

O fato da assinatura do tratado de não proliferação, ou seja, o fato de o Brasil ter ficado de quatro (o governo) perante os países ricos já uma sanção a sua dignidade. Só que querer não é poder. Portanto muito caminho existe até você querer a bomba atômica e tê-la. Sem falar que nada adianta um armamento nuclear se for para jogá-lo nos argentinos. Sei que não é má idéia, mas no mínimo teríamos que ter meios de alcançar os países do norte, a fim de possuir uma carta na manga quando necessário se tratar de assuntos econômicos. E até… Read more »

Magick
Magick
15 anos atrás

Ótima, entrevista do ministro, se realmente foi o que ele falou, deixou claro muitas coisas sobre a defesa, sua atual situação e principalmente seu futuro. Agora, eu não tenho certeza se o ministro ainda é ou não do PMDB, mas quando aceitou ser ministro era, parece uma tática do PMDB usar ministros para realizar, digamos algo de destaque nacional, foi assim com FHC e Serra. Será que o ministro realmente tem interesse na defesa ou é para se promover? Se eu fosse militar, corria afim de apresentar os projetos antes do término deste mandato para que sejam aprovados, porque depois… Read more »

Hornet
Hornet
15 anos atrás

Essa é uma discussão realmente complexa. Concordo com as ponderações do Marine, Illimani e Virtualxi. Mas penso que tudo tem seu momento. E chegará o momento de o Brasil ter que discutir isso tanto internamente (acho que haveria muita resistência por parte da opinião pública do país) quanto externamente. Acho que tudo dependerá do tamanho da importância (econômica já tem muita, mas não está equilibrada com a importância política) que o Brasil venha a ter no cenário mundial no futuro. Como potência regional, ligada apenas a Ámerica do Sul (ou Latina), não creio que seja fácil convencer a opinião pública… Read more »

Zero Uno
Zero Uno
15 anos atrás

Marine…

Concordo com suas ponderações. Só que no momento, como afirmou o Hornet, temos outras prioridades mais urgentes. Temos que nos rearmar como um todo, nas 03 forças.

Más defendo que devemos ter mísseis balísticos com ogivas convencionais. Só de obtermos esse armamento, teremos mais respeito no jogo político internacional e aí sim, com as 03 forças equipadas e tendo a capacidade de possuir misseis balísticos poderemos ser chamados de potência militar.

Sem os mísseis balísticos com ogivas convencionais, fica difícil.