A evolução do pensamento estratégico nas Copas do Mundo

Sérgio Vieira Reale
Oficial da Reserva da Marinha
Autor do Livro Guerreiros da Bola
Estratégia é um conceito de origem militar, nascido nos campos de batalha, que começou a circular na Europa no século XVIII. Em sua acepção original referia-se à formulação dos planos a serem executados por um exército para atingir os objetivos fixados para uma guerra.
Com o passar do tempo, o conceito perdeu sua conotação puramente bélica e foi sendo adaptado para diversas áreas do conhecimento. A Estratégia, de modo geral, passou a ser definida como um conjunto de medidas pelas quais se busca a partir de um estágio inicial atingir um estágio final desejado, levando em consideração os fatores favoráveis e adversos que possam ser encontrados.
Portanto, no futebol, a estratégia passou a ser definida como um conjunto de medidas planejadas para serem adotadas, dentro e fora de campo, que irão proporcionar aos jogadores condições mais favoráveis para obter a vitória num jogo ou a conquista de um campeonato.
A fim de estabelecer a diferença entre a Estratégia e a Tática, que são conceitos interdependentes, cabe definir o conceito de Tática no futebol: “Arte de combinar a ação individual de cada jogador, uns em relação aos outros e aos adversários, em suas diferentes posições, de modo a obter o máximo rendimento do conjunto no decorrer de uma partida”. A Estratégia completará a Tática e esta terá o apoio daquela.
Nos últimos anos, a evolução do futebol praticado nos diversos continentes ocorreu, principalmente, em função do constante intercâmbio de treinadores e jogadores. A diferença entre as seleções está cada vez menor. A preparação física e a intensidade no jogo contribuem para tal. A intensificação da concorrência incentiva, cada vez mais, o pensamento estratégico. A história das copas já demonstrou que para uma seleção ser campeã do mundo é indispensável ter um elenco tecnicamente qualificado; bem como uma grande estratégia dirigida à obtenção do título.
Nas duas primeiras Copas do Mundo, que foram disputadas em 1930, no Uruguai, e em 1934, na Itália, as seleções da Europa e sul-americanas, que se deslocaram de navio para a competição, foram prejudicadas. As viagens levavam, em média, 15 dias e a bordo não era possível trabalhar fisicamente. Os dois países que sediaram as copas foram campeões, pois tinham boas equipes, estavam aclimatados, tinham a torcida a favor e não se desgastaram nos deslocamentos marítimos.
Ademar Pimenta, treinador da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938, certa vez afirmou: “A tática deve ser aplicada de acordo com o adversário que se enfrenta. Como na guerra, as táticas se modificam de acordo com o terreno, com a sua topografia, com o valor material do inimigo, e com outros elementos que devem ser levados em conta”.
A escolha da sede é de extrema importância para a seleção, já que as distâncias envolvidas em relação aos estádios não devem ser excessivas e o índice pluviométrico na região deve ser estudado (ao contrário dos alemães o futebol brasileiro não se adapta bem à campos encharcados). Na copa de 1950, éramos os donos da casa. A tabela da competição nos era favorável, pois dos seis jogos realizados, somente o jogo contra a Suíça, realizado no Pacaembu, foi disputado fora do Maracanã. Logo, fomos poupados das cansativas viagens.
Para disputar a Copa do Mundo de 1954, os húngaros haviam sido preparados, desde 1949, pelo treinador Gusztav Sebes. Estes, naquela época, já entendiam que a preparação de uma equipe deveria ser mais bem elaborada. Foram implementados treinamentos físicos, com e sem bola, dietas programadas, trabalho muscular, assistência médica e apoio psicológico.
Sebes fez da equipe do “Honved”, de Budapeste, a base da sua seleção. Apesar de não terem conseguido conquistar a copa do mundo de 1954, os húngaros conquistaram o “ouro olímpico” na Finlândia, em 1952. Segundo o treinador alemão Helmut Schoen (campeão do mundo em 1974): “Todos esperavam que a Hungria ganhasse em 1954. Essa também era a opinião na Alemanha.
A Hungria era indubitavelmente o melhor time. Mas, quando a Alemanha jogou com eles na primeira fase, Sepp Herberger (treinador da Alemanha em 1954) sentiu que podia se classificar para as quartas-de-final mesmo perdendo para a Hungria.
Então, deliberadamente, não colocou em campo seu time mais forte contra os húngaros. Foi uma jogada astuciosa, porque significava que, enquanto ele sabia com exatidão a formação e os pontos fortes da Hungria, Sebes se depararia com uma nova formação alemã na final”. Estudar o adversário, sempre foi e sempre será fundamental. É uma prova de sabedoria não o subestimar, para se prevenir contra suas possíveis ações. Os fatores de força devem ser neutralizados e os de fraqueza, explorados.
Em 1966, nós, brasileiros, havíamos conquistado as duas últimas copas. Os europeus perceberam que para neutralizar o potencial técnico do Brasil investindo na preparação física. de um método que trabalhasse a velocidade e a força associadas à resistência. As seleções da Europa basearam a sua preparação física no trabalho associado da velocidade, força e resistência. Naquela copa, não tivemos nenhuma seleção sul-americana entre as quatro primeiras colocadas (Inglaterra, Alemanha, Portugal e URSS) ao final daquela copa.
O problema da altitude relacionado ao esporte ganhou notoriedade no Brasil, por ocasião da preparação da seleção para a disputa da Copa do Mundo de 1970, no México. Como é sabido, com o aumento da altitude, o ar torna-se cada vez mais rarefeito. Para compensar a deficiência de oxigênio o organismo aumenta a produção dos glóbulos vermelhos, que são as células responsáveis pelo transporte de O2.
Náuseas, dor de cabeça, falta de ar e diminuição da coordenação motora são exemplos dos sintomas sofridos pelos atletas. Naquela copa, a seleção brasileira subiu gradativamente de altitude para se aclimatar. Inicialmente, a seleção se concentrou em Guanajuato (2200 metros). A seleção disputou seus jogos em Guadalajara (1500 metros) e na Cidade do México (2200). Treinar em lugares de maior altitude facilita a aclimatação em locais de menor altitude.
A seleção holandesa, na Copa do Mundo de 1974, comandada pelo treinador Rinus Michels, apesar de não ter sido campeã do mundo, foi a grande sensação do torneio. O chamado “Carrossel Holandês” jogou de acordo com a filosofia do futebol moderno, onde o jogo coletivo, a troca rápida de passes, a pressão sistemática no homem da bola e a constante movimentação dos jogadores, sem guardar posições determinadas, revolucionou a tática naquela ocasião. A Holanda marcou quinze gols e sofreu apenas três, nos sete jogos disputados. A chamada “linha de impedimento” – onde os jogadores da defesa evoluem rapidamente sob o comando de um jogador, para colocar o ataque adversário impedido, foi uma surpresa tática defensiva.
A Holanda implantou a linha de impedimento na Copa do Mundo de 1974. Todavia, a equipe tinha por objetivo principal ganhar o maior número de rebotes, com a concentração de 4 ou 5 jogadores de uma só vez, sobre um único adversário, para possibilitar a retomada da posse de bola e projetar rapidamente a equipe ao ataque.
Na copa de 2014, que foi realizada no Brasil, a seleção da Alemanha construiu um Centro de Treinamento em Santa Cruz Cabrália, sul da Bahia. A Alemanha se preparou em todos os aspectos para disputar aquela copa. Na fase de grupos jogaram na região nordeste (Salvador, Fortaleza e Recife) com temperaturas elevadíssimas e que exigiam um maior preparo físico. A Alemanha sabia que se passasse em primeiro lugar iria jogar o mata-mata e a final em estádios na região sudeste.
Dessa forma, jogariam em temperaturas mais adequadas naquela estação do ano. Os alemães treinavam entre 12h e 13h, que seriam os horários dos jogos. A grama do centro de treinamento era igual a do Maracanã, onde foi realizada a final da copa. Segundo Manuel Neuer, goleiro tetracampeão da Alemanha: “É por isso que fomos campeões. Todas as pessoas contribuíram. Estivemos como uma unidade, porque todos queriam esse objetivo. Tivemos, claro, alguns problemas, alguns machucados como o Reus, que não veio. Ele também é campeão, a Alemanha inteira é campeã”.
Este artigo enseja que, desde as primeiras edições da Copa do Mundo, já havia algum tipo de pensamento estratégico que foi implementado pelas seleções. As medidas necessárias para a conquista de uma Copa do Mundo devem ser meticulosamente planejadas para minimizar as imprevisibilidades inerentes ao futebol.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES CONSULTADOS
- CAMINHA, J. C. G. Delineamentos da Estratégia. Bibliex. Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro. 1982.
- HEIZER, H.T. O Jogo Bruto das Copas do Mundo. Mauad. 1997.
- 3.TAYLOR ROGAN e JAMRICH KLARA. Puskas uma lenda do futebol. DBA. São Paulo. 1998)
- DUARTE, O. Enciclopédia Todas as Copas Do Mundo. São Paulo. Makron Gold. 1998.
- REALE, Sérgio. Guerreiros da Bola. Editora Shape 2005. Rio de Janeiro. 2005
- https://midianinja.org/como-a-selecao-da-alemanha-montou-sua-logistica-para-vencer-o-mundial-em-2014/
Off topic: Depois do mega ataque ucraniano de hoje, Putin está perdendo a guerra e sua queda parece cada vez mais provável. Vai ser interessante ver o que ele dirá aos seus aliados diante dessa derrota. A surra só aumenta a cada dia, e o desgaste é evidente. O fim do jogo se aproxima.
Cara, perdendo, perdendo, de fato a Rússia não está, mas que está desmoralizada em todos os níveis e não vai conseguir alcançar seu objetivo máximo que era colocar um governo pró-russo na Ucrânia e dominar Kiev, isso já é um fato quase que consumado.
Então alguns podem com certeza entenderem como uma derrota, já que a disparidade de forças é grande em favor da Rússia
Queria entender a lógica disso.
Os caras publicam uma matéria, que certamente alguém teve algum trabalho pra escrever ai vem o indivíduo, abre a caixinha, digita um off topic, pois ele sabe que o que escreverá não tem exatamente nada a ver com a postagem, e ai escreve um texto claramente provocativo, que, provavelmente, vai ditar os rumos dos demais comentários da postagem. Queria entender qual é a intenção de fazer isso. E pq isso ainda é permitido. 90% das postagens debandam pra discussões completamente inúteis justamente por esse tipo de comentário.
Algumas regras do site:
(…)
2 – Mantenha o respeito: não provoque e não ataque outros comentaristas, nem o site ou seus editores;
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50% das regras do site incidentes sobre o caso…vai entender
“Putin está perdendo a guerra e sua queda parece cada vez mais provável. ‘
hahahahahahahahaha
hahahahahahahahaha
hahahahahahahahaha
Desculpe.
Brilhante o texto, mas…
Não tem ancelotti, nem o próprio Cristo que dê jeito.
Os meninos não jogam mais bola. A não ser no PS5.
A peneira não tem mais areia pra procurar a pepita de ouro.
E as raras – discutíveis- pepitas encontradas não duram aqui nem até os 18 anos.
Jogam sim. Basta ver em qualquer periferia, escola pública, etc. Seleção precisa de estratégia como mostra o artigo acima.
Não sou propriamente entusiasta do futebol, mas não pude deixar de apreciar a vitória do PSG frente a Inter de Milão na final da Liga dos Campeões.
Impressionante como o time apresentou fluidez e criatividade num ritmo alucinante. Fez cinco gols mas poderia ter feito oito ou dez!
A Inter apenas correu prá cima e prá baixo e parecia estar sempre dois passos atrás, sem ritmo e sem presença. Literalmente passou 90 minutos correndo atrás!
Fez lembrar até o tenebroso 7×1 na final de 2014!
Sim e o mais curioso é que, depois de uma década, o PSG privilegiou o jogo coletivo, em vez de moldar projeto em cima de grandes nomes.
Para quem não lembra, ali por volta de 2012, o PSG havia sido comprado pelos atuais donos, cataris, com o grande objetivo de ganhar uma Champions. Para isso, o entendimento era de contratar o grande ou grandes nomes e moldar o estilo de jogo a esse nome. Começou com o Ibra. Passou por Cavani, Di Maria, Neymar, Messi, Mbappe. 12 anos sem dar certo. Até que no primeiro ano em que decidem contratar apenas contratar jogadores que se encaixem no estilo de jogo do treinador, atingem o objetivo e de forma dominante. Foram merecedores. Pena que tenham demorado tanto e gasto mais de U$ 1 bi para chegar nesse objetivo.
Por fim, fica a nota negativa para a “comemoração” do título. O Brasil, com todos seus problemas de insegurança pública, especialmente no âmbito do futebol, e com comemorações com milhões de pessoas nas ruas a cada ano, nunca presenciou uma situação com a França acaba de presenciar. Aliás, parece que na França é comum comemorar destruindo tudo ao redor. Lamentável.
Um aspecto que pra mim é tão importante quanto a estratégia é a evolução atlética dos atletas, hoje eles são muito mais altos, fortes e com preparo físico de maratonista. Falam muito de Pelé, Maradona e tantos craques do passado, mas contra os times atuais, que praticam o futebol total, com pressão constante na saída de bola, os craques estariam em desvantagem física.
Depende. Os jogadores atuais, caso tentassem ter o mesmo nível de performance nos anos 90 para trás, por exemplo, voltariam sem as pernas para casa.
Cada época teve sua peculiaridade.
É notória a evolução física no futebol. Mas isso também veio com a evolução de vários aspectos relacionados, que não se tinha em épocas anteriores. Hoje, o jogador na base de times da 1º divisão do brasileiro tem condições de ter uma preparação física, psicológica e profissional infinitamente superior do que tinham os jogadores de seleção da década de 90 para trás. A bola que pelé chutava, por exemplo, pesava bem mais que a bola usada atualmente. Em dias de chuva, o couro retinha a água e a bola podia chegar a pesar mais de 1 kg (quase o dobro do peso de uma bola de basquete).
E o Pelé fazia o que fazia. Enfim, cada época uma época. O que importa é o quanto o jogador consegue ser peculiar, em relação aos demais, em suas respectivas épocas. E, sem dúvida, Pelé e Maradona conseguiram se destacar e muito perante os demais.
Tem o aspecto dos equipamentos também, material muito mais moderno, leve e eficiente. Tem o aspecto dos estádios, também com grandes mudanças. E a quantidade de dinheiro envolvido, isso não tem qualquer comparação possível.