General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva*

Ainda que tarde, é preciso desmentir inverdades exaustivamente disseminadas sobre a Contra-revolução de 31 de Março de 1964, o período de governos militares, a luta armada da esquerda revolucionária e a redemocratização do Brasil a partir de 1978. É um projeto que demanda uma sequência de textos onde sejam apresentadas ideias pouco exploradas, capazes de se oporem a paradigmas criados pela esquerda. A Contra-revolução de 31 de Março de 1964 tinha o objetivo de implantar uma ditadura de direita no Brasil? Não.

A Contra-revolução teve como propósito impedir a implantação de uma ditadura comunista, por meio de um golpe articulado pelo governo de Jango e o PCB. Todos os presidentes militares reconheciam como de exceção o regime de 1964 e manifestavam publicamente o propósito de retorno à normalidade democrática. Uma ditadura jamais pregaria a sua própria extinção, o que comprova o perfil sui generis da “ditadura (?) militar” no Brasil.

Há ditaduras e “ditaduras”, assim como há democracias e “democracias”. Por paradoxal que seja, a Alemanha Oriental se denominava República Democrática Alemã e a Venezuela de hoje é considerada uma democracia por muita gente. Tais designações dizem pouco ou nada, pois o importante é o que a legislação do país assegure em termos de liberdade e direitos da pessoa humana. Ainda que sob uma lei de exceção, consubstanciada no AI-5, a maioria dos cidadãos designa aquele momento histórico de diversas formas: regime militar; período de governos militares; regime autoritário; ou até mesmo “ditabranda”. Nem todos o chamam de ditadura militar e praticamente ninguém o denomina de regime totalitário. Este era, sem dúvida, o que vigorava nas catedrais comunistas que orientavam a esquerda revolucionária no Brasil, modelo sonhado pelos grupos armados da guerrilha brasileira. A controvérsia existe porque, no íntimo, a maioria reconhece terem sido preservados muitos direitos e liberdades individuais durante a vigência do AI-5, que pouco afetava o cidadão comum.

O regime militar manteve os três Poderes da União e havia eleições livres e diretas para o Congresso Nacional e assembléias legislativas estaduais. Naquele período, podiam ser identificadas quatro correntes políticas em ação no País. Duas delas, democráticas, estavam no centro do espectro ideológico, abrigadas nos dois partidos reconhecidos. O MDB, oposicionista, cuja bandeira era a imediata redemocratização; e a ARENA, partido do governo, que defendia a redemocratização de forma gradual. À esquerda do MDB, havia a corrente revolucionária, cujo objetivo era implantar uma ditadura como a cubana ou chinesa. Essa linha radical ganhou força após o fracasso da estratégia de modelo soviético de tomada do poder pela “via pacífica” (subversão – infiltração – luta armada como último recurso) entre 1961 e 1964. A esquerda revolucionária se preparava para implantar a guerra de guerrilhas no Brasil desde o início dos anos 1960 com apoio da URSS, Cuba e China. As ações violentas de vulto começaram em 1966 e intensificaram-se a partir de 1968. A radicalização da esquerda revolucionária deu força não só ao partido do governo, em seus propósitos de redemocratização mais lenta, como à linha direitista do regime. Dessa forma, a volta à normalidade democrática demorou cerca de dez anos, tempo que demandou a neutralização completa da luta armada urbana e rural, num embate onde houve sérias violações de ambos os lados.

A volta à democracia não se deve à esquerda revolucionária, pois o governo militar só iniciou a redemocratização em 1978, após a completa derrota da luta armada. Na cruzada da redemocratização estavam o governo, os partidos políticos – ARENA e MDB – e diversos setores representativos da nação, todos atuando dentro da legalidade. Em seu discurso de posse, a presidente Dilma comete alguns equívocos ao dizer que “Minha geração veio para a política em busca da liberdade, num tempo de escuridão e medo. Aos companheiros que tombaram nesta caminhada, minha comovida homenagem e minha eterna lembrança”. A presidente tomou a parte pelo todo, pois a imensa maioria de sua geração, e do povo brasileiro, não optou pela luta armada, apoiou o Estado na neutralização da esquerda revolucionária e, ao mesmo tempo, os segmentos políticos e sociais que buscavam a redemocratização pela via legal. Os guerrilheiros eram sempre denunciados pelos cidadãos e, por isso, viviam homiziados, não se sentindo seguros no meio do povo. Não fosse assim, a luta teria sido muito mais dura, como mostra a história quando a guerrilha é popular. Da mesma forma, a presidente ainda insiste em que ela e seus companheiros de luta armada estavam “em busca da liberdade”, após tantos deles reconhecerem que o propósito era implantar uma ditadura nos moldes da soviética, da chinesa e da cubana.

A esquerda revolucionária depôs as armas após ser derrotada e, anistiada, saiu da ilegalidade e aceitou as regras do jogo democrático. Na atualidade, muitos dos seus membros estão instalados em altos escalões dos Poderes da União onde deixam claro que não mudaram de ideologia, apenas realizaram um recuo estratégico, haja vista sua atuação nos espaços que ocupam, as bandeiras que empunham (vide o PNDH-3) e seu protagonismo no Foro de São Paulo, organismo que se propõe a reviver na América do Sul a experiência desastrosa do socialismo de estado no leste europeu.

Luiz Eduardo Rocha Paiva é professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil

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Observador
Observador
12 anos atrás

Bom é ler sobre a “verdade” esquerdista nestes bloguinhos chapa-branca que tem aí às centenas. Dá vontade de rir. Parece o livro “1984” de George Orwell. A função do anti-herói da história, um burocrata do Partidão, é reescrever a história, de forma sempre favorável ao governo, claro. Você lê estas porcarias e fica pensando que os problemas do país só existem onde governa a oposição ou são inventados pela imprensa “PIG”. Falam que os militares impuseram um “regime de terror”. Engraçado, não conheço ninguém daquela época que pense assim. Outra coisa descrita no livro e que as esquerdas fazem muito,… Read more »

Wagner
Wagner
12 anos atrás

Isso tudo é um eterna questão ideológica. esquerda x Direita, comunismo x capitalismo. Depende da ideologia de quem lê a opinião desse cara. As pessoas que perderam seus entes queridos, VC VAI DIZER QUE FORAM TORTURADAS E MORTAS EM NOME DA LUTA ANTI-COMUNISTA ? DA SALVAÇÃO NACIONAL ?? Nunca perdeu um ente querido, General ? É fácil defender bandeiras ideológicas ultrapassadas quando não é vc quem está vendo seu filho ou esposa sendo mortos. Muitos não questionam o golpe. QUESTIONAMOS A TORTURA. VC VAI NEGAR QUE OS MILITARES MANDARAM TORTURAR ? Vc gosta de tortura ? Não foi a FAB… Read more »

Wagner
Wagner
12 anos atrás

O PROBLEMA DA DIREITA É QUE ELA É IGUALMENTE TÃO IDIOTA QUANTO A ESQUERDA. A DIREITA ACHA QUE TUDO O QUE FAZ FOI EM NOME DA SALVAÇÃO DO ESPECTRO DE JOSEPH STALIN. MESMO QUE FOSSE POR ISSO, E NÃO FOI, FIZERAM AQUILO QUE A HUMANIDADE E PARTE DOS RUSSOS CONDENAM NO PROPRIO STALIN: USO DE METODOS DESUMANOS E TORTURA. É como aconteceu aqui ano passado, meia duzia de direitistas me xingando e querendo me proibir de falar, e tais direitistas se acham defensores da suposta democracia norte americana, que é apenas outra forma de stalinismo, só que mais suave. Um… Read more »

Rodrigo
Rodrigo
12 anos atrás

Wagner disse: 4 de abril de 2011 às 20:21 E você acha que torturaram por esporte ou porque era necessário obter alguma informação ? Não adianta só meter na cadeia, o cidadão ia ficar lá eternamente, enquanto os seus comparsas continuavam assaltando e cometendo atentados terroristas. Infelizmente o jogo era este e para quem leu a Veja desta semana. Com tanta gente de Al-Qaeda no Brasil reconhecidos pela PF, não vai demorar a voltar a ser. Uma coisa é prender um membro de uma quadrilha de assaltantes ou traficantes e deixar ele apodrecendo na cadeia. Outra coisa muito diferente é… Read more »

Rodrigo
Rodrigo
12 anos atrás

Na minha visão o Governo militar cometeu um erro crasso, que foi não fazer os julgamentos dos terroristas de forma aberta e ostensiva.

Vader
12 anos atrás

Falou tudo e mais um pouco Meu General. Parabéns. Houve excessos na Ditabranda sim. Não deveriam ter ocorrido. Como em todas as atividades humanas, nas FFAAs de então havia uma banda podre que era a pior das corjas. Mas generalizar isso para todos os militares é um erro mais crasso do que dizer que o povo apoiava os guerrilheiros comunas. Quanto aos perdedores darem as regras hoje, ahhhh meus caros… nada como a volta do mundo… Os militares de hoje pagam sim pelos erros de uma pequena parcela dos militares de ontem. Pagam injustamente. É karma? Pode ser. Mas eles… Read more »

Bosco Jr
Bosco Jr
12 anos atrás

“A esquerda revolucionária depôs as armas após ser derrotada e, anistiada, saiu da ilegalidade e aceitou as regras do jogo democrático. Na atualidade, muitos dos seus membros estão instalados em altos escalões dos Poderes da União onde deixam claro que não mudaram de ideologia, apenas realizaram um recuo estratégico”

Não precisamos temê-los já que sentiram o gosto do poder e após se fartarem das benesses do Estado Brasileiro, de grandes úberes, jamais irão novamente querer se aventurar, pegar em armas ou se embrenhar nas matas, afinal, ternos Armani custam caro e costumam desfiar em alguns ambientes não palacianos.

Observador
Observador
12 anos atrás

Caro Vader:

Concordo plenamente com você.

No http://www.forte.jor.br/2011/03/31/exercito-abole-comemoracao-do-golpe-de-64-mas-clubes-militares-prestam-homenagem-a-data/

escrevi o seguinte:

O povo só atura o PT enquanto tem dinheiro no bolso.

Em breve vai acabar mais este “vôo de galinha” da nossa economia e o PT irá ter a resposta das urnas.

Esperem e verão.

Observador
Observador
12 anos atrás

Caro Wagner: Não posso deixar de rebater os seus comentários. Sobre os tempos do governo militar, a esquerda chora muito por muito pouco. Dizer que era um regime de terror chega a ser piada de mau gosto, como muito esquerdista inveterado fala. Morreu gente. Sim. Mas não morreu como morreram em ditaduras de verdade. Vamos aos números. No Brasil durante o regime militar houve 426 mortos e desaparecidos políticos dentro e fora do país. Vamos comparar com ditaduras realmente sanguinárias? A ditadura argentina entre vitimou 9000 e 30000 pessoas, dependendo da fonte; A ditadura chilena não ficou atrás: 5000 pessoas.… Read more »

Rodrigo
Rodrigo
12 anos atrás

Observador disse: 5 de abril de 2011 às 20:30 Agora tenho que discordar frontalmente do colega! Os regimes de esquerda foram os que mudaram o status social o maior nro de pessoas na história. De vivos, para mortos 😉 A terrível ditadura brasileira permitia: 1. Manifestações trabalhistas – Está ai o nosso ex-Presidente para não me deixar mentir; 2. Que se fizessem piadas com os Generais e as FFAA – Juca Chavez, Ari Toledo e outros… 3. As eleições legislativas eram diretas, não me lembro dos vermelhuxos de hoje questionarem a veracidade do pleito. Que houve um Governo autoritário e… Read more »

Rodrigo
Rodrigo
12 anos atrás

O que não era permitido era baderna, quebra-quebra e luta-armada…

Como não deveria ser permitido isto hoje em dia vinda dos “movimentos sociais”.

Observador
Observador
12 anos atrás

Rodrigo: “A morte iguala a todos os homens”. A morte e o comunismo. … Só um episódio para contar como o ditadura brasileira foi na verdade uma “ditabranda”. Conheci uma advogada que participou, organizou e insuflou a “Novembrada”, um movimento estudantil/popular ocorrido em 30 de novembro de 1979, em Florianópolis. Para quem não sabe, foi quando a população desafiou o Presidente Figueiredo. Desafiou não, enfrentou a polícia, AGREDIU o presidente e alguns de seus ministros presentes. Imagine o que aconteceria com os estudantes em qualquer país do mundo, democracias ou não, que fizessem isto com seus presidentes. Alguém imagina o… Read more »